Artes/cultura
05/06/2024 às 18:00•6 min de leituraAtualizado em 05/06/2024 às 18:00
Há 80 anos, Dwight D. Eisenhower tomou uma decisão: não seria mais adiado o plano estratégico das tropas Aliadas para derrotar a Alemanha nazista de Adolf Hitler. Entre 28 de novembro e 1º de dezembro de 1943, os líderes dos Aliados — Josef Stalin, Winston Churchill e Franklin Roosevelt — se reuniram no Irã para o que ficou conhecido como a Conferência de Teerã, uma reunião realizada para determinar os esboços de uma série de decisões militares e políticas que precisavam ser feitas para derrotar as potências do Eixo, principalmente a Alemanha de Hitler — o maior problema da Segunda Guerra Mundial.
Foi à mesa com esses importantes líderes que surgiu o plano para a invasão da Europa Ocidental, a Operação Overlord, que no inglês significa "senhor supremo", tamanha era a magnitude e importância dessa missão para a guerra. O termo foi cunhado por Eisenhower, o general americano e Comandante Supremo Aliado na Europa, encarregado, em 1943, de coordenar e supervisionar todas as operações militares na Europa Ocidental.
Em janeiro de 1944, Eisenhower se juntou ao marechal de campo britânico Bernard Law Montgomery, que se tornaria o comandante essencial do 21º Grupo de Exércitos das forças aliadas que desembarcariam por terra na Normandia, para examinar o trabalho feito por Frederick Morgan, então designado Chefe de Estado-Maior do Comandante Supremo Aliado, para garantir todos os aspectos logísticos e estratégicos da Operação Overlord.
Eisenhower e Montgomery perceberam que apenas três divisões de tropas não seriam suficientes, sendo necessário não só mais praias, como alargar a área de invasão para incluir a base da Península Contentin, na parte oeste da Normandia, peça-chave para o sucesso da operação devido sua posição estratégica para suprimentos e reforços. Eisenhower determinou que precisariam de 8 divisões na primeira leva do ataque, que seria por meio de 8 mil aviões e 5 mil navios. Seria uma média de 160 mil soldados lutando pelo mesmo propósito: esmagar os nazistas.
Há 80 anos, em 6 de junho de 1944, acontecia o Dia D, a invasão da Normandia que determinou a Segunda Guerra Mundial.
Era primavera na França, final de maio e início de junho, um dos motivos pelo qual essa temporada de planejamento é chamada de “primavera das expectativas”. Afinal, estamos falando do maior ataque anfíbio da Segunda Guerra Mundial, e também o da história registrada até aquele momento.
Havia uma apreensão generalizada entre os líderes Aliados, denominada “agitação do Dia D”, sobretudo por parte dos britânicos. Afinal, as postergações da Operação Overlod tinham relação com a escassez de barcaças de desembarque e com o medo de Churchill em se comprometer com a invasão.
De um lado, havia o receio de que Roosevelt não estivesse totalmente comprometido com a política da “Alemanha primeiro” definida na Conferência de Teerã, porque os americanos começaram a desviar massivamente homens, navios, armamentos e equipamentos para o Pacífico – onde se encontravam os japoneses. Do outro lado, pairava sobre os britânicos o fantasma do desastre que foi a Batalha de Dunquerque em 1940 e sua consecutiva Operação Dínamo de retirada das tropas do norte da França.
Como se isso não fosse o bastante, o status da França era indeterminado para os líderes dos Aliados, ninguém sabia como eles, liderados pelo então presidente Charles de Gaulle e do que era essencialmente um futuro governo provisório, receberiam a invasão. E pela maneira como a resistência se mostrava ameaçadora com a aproximação dos Aliados do país, tudo indicava que a única chance deles poderia ir para os ares.
Era por essa e por tantas outras que o general Eisenhower precisava se assegurar de que a Overlord fosse um sucesso. Para não haver erros, ele desenhou cada etapa da maneira mais detalhada o possível, a ponto de a 3ª Divisão canadense apelidar a missão de Operação Overboard (no inglês, overboard significa "exagerar") ao receber o planejamento da Operação Netuno – o estágio crucial da travessia do Canal da Mancha.
Por ter dado “certo”, até hoje o Dia D é visto como um triunfo de planejamento e bravura, sobretudo dos EUA, mas pouco se fala sobre como a operação beirou o desastre ou que foi catastrófica em certo ponto. Existe a ideia de que apenas por Eisenhower ser o Comandante Supremo Aliado significava que os EUA estavam no comando, quando, na verdade, se tratava de uma parceria, sendo que os britânicos fizeram grande parte do trabalho de planejamento e logística de vários aspectos das batalhas da Europa Ocidental, incluindo a Overlord.
O motivo maior pelo qual Eisenhower foi escolhido para o cargo foi devido sua capacidade de fazer com que personalidades combativas trabalhassem juntas. A tarefa foi tão difícil que ele chegou a duvidar de si mesmo e ameaçou desistir da Overlord nos 45 minutos do segundo tempo, quando os britânicos recuaram nos planos de bombardear as linhas alemãs antes do desembarque na Normandia.
Em seu livro de memórias, Cruzada na Europa (1948), o general estava tão certo de como poderia tudo dar errado que escreveu uma declaração a ser emitida assim que o fiasco se tornasse real – o que, de certa forma, foi. As bombas pelas quais ele lutou tanto para ser lançadas erraram seus alvos imediatos, os bombardeios navais foram ineficazes, os tanques anfíbios acabaram não sendo muito anfíbios, e o clima foi o segundo maior inimigo das tropas Aliadas. No final das contas, o que tem de incrível no Dia D é que ele deu certo.
O que mais os Aliados temiam é que os nazistas descobrissem como e quando aconteceria a invasão à França, que esperavam desde 1942. Hitler se preparou por dois anos para isso, ordenando que erguessem uma série de fortificações, criando o que ficaria conhecido como Muralha da Atlântico, uma rede de bunkers, posicionamento de armas e obstáculos de pouso que cobria 3,862 quilômetros da costa francesa.
Hitler sempre soube que os Aliados estavam prestes a atacar, e estava tranquilo, pois tinha os homens, as armas e as fortificações para isso – além, é claro, de uma arrogância acima do normal em superestimar a capacidade alemã. A questão é que o ditador foi enganado o tempo todo sobre onde a invasão aconteceria.
Por meio de uma série de planos complicados de despistamento do Sistema Doble Cross de espionagem, sob o título geral de Plano Fortitude, a inteligência britânica fez os nazistas acreditarem que um “IV Exército britânico” desembarcaria na Noruega, onde Hitler, para o desespero dos seus generais, insistiu em manter mais de 400 mil homens.
Os agentes duplos e espiões capturados pelos britânicos fizeram uma campanha contra os nazistas para convencê-los de que o desembarque na Normandia era apenas uma preliminar ou uma tática diversionária e que o verdadeiro ataque viria mais tarde, em Pas de Calais, nos Altos da França, uma região, de fato, perfeita para isso acontecer.
Para tornar mais crível, os Aliados posicionaram arremedos de tanques, aviões e até navios de desembarque no sudeste da Inglaterra, sob o comando do general George Patton, o líder que os alemães mais temiam.
O Dia D não foi apenas um pesadelo para ser fabricado – foi um pesadelo como um todo. Nem todo o planejamento de Eisenhower poderia tê-los preparado para a realidade brutal que a retomada da Europa significaria para as tropas. Os mentores da Overlord previam que o êxito ou o fracasso seriam decididos nos dias arriscados imediatos após os desembarques, mas o general foi aconselhado a esperar que a maioria dos soldados morresse na tentativa de invasão, enquanto para os paraquedistas era previsto uma taxa de 75% de mortalidade assim que pousassem atrás das linhas inimigas.
Era para a invasão ter acontecido em 5 de junho de 1944, como os nazistas previam, mas o mau tempo fez Eisenhower adiar a invasão para os primeiros momentos da manhã seguinte. Definitivamente, decidir o start daquela guerra foi o maior ato de bravura dele como general porque sabia o que estava por vir.
Às 6h30, de 6 de junho de 1944, os Aliados desembarcaram cerca de 73 mil soldados americanos e 83 mil britânicos e canadenses nas cinco praias ao longo da costa da Normandia, em meio a um mar revolto, enfurecido, e uma neblina que fez deles fantasmas antes mesmo de morrerem.
Nas primeiras 24 horas da tão aguardada invasão, cerca de 4.500 mortes aconteceram, com baixas piores na praia de Omaha, no setor dos EUA, com cerca de 2 mil soldados americanos, em comparação com as 9 mil baixas das forças alemãs. Estamos falando de números apenas aproximados porque foi impossível obter a quantidade exata de mortes devido à confusão nos registros do cenário caótico.
Apesar de terem sido pegos de surpresa, a resistência alemã foi brutal e começou a mais de 5 mil metros da costa. Milhares de soldados foram mortos por disparos de metralhadora enquanto eram silhuetas na neblina caminhando em direção às praias. Homens foram dilacerados por tiros antes de sequer conseguirem saltar de sua aeronave. A Companhia A, o 1º Batalhão e a Divisão 116º de Infantaria perderam 60% de seus homens em apenas 20 minutos. Os vários soldados alojados nos tanques anfíbios que Eisenhower defendeu tanto se afogaram quando bateram na água cedo demais e afundaram como caixões de metal.
Da mesma maneira que muita coisa não aconteceu no Dia D, da disciplina que se esperava ante o ataque aos brados de vitória, muita coisa também nunca saberemos. Apesar de estarmos falando de uma das operações mais documentadas da segunda metade do século XX, o véu da guerra realmente é real e mantém muita coisa em mistério.
Talvez sejam suficientes as declarações dos sobreviventes sobre o que aconteceu, como a de Ted Cordery, um veterano que estava no convés superior do HMS Belfast quando a invasão foi lançada. Em entrevista à BBC em 2019, ele disse, aos 95 anos, que morreria com a lembrança das lesões, dos homens dilacerados e do medo que viu em seus olhos. Quando indagado sobre o que fez para ajudá-los, ele apenas respondeu: “Não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Apenas olhei e chorei”.