Ciência
12/08/2022 às 06:30•3 min de leitura
Apesar da catástrofe em todos os aspectos que as duas guerras mundiais do século XX causaram, é impossível não olhar pelo prisma de que elas também atuaram como um divisor de águas na sociedade, economia e tecnologia da humanidade; visto que muitos avanços só acontecerem pelos esforços desenvolvidos ao longo desses anos derradeiros.
Em 1913, pouco antes de eclodir a Primeira Guerra Mundial, o inventor britânico e jornalista de Liverpool, Arthur Wynne, criou as palavras cruzadas – que prosperaram durante o conflito e, principalmente, ao longo da Segunda Guerra Mundial, quando os soldados podiam desfrutar de maior tempo sem pensar que seriam bombardeados a qualquer momento.
A princípio, as palavras cruzadas foram impressas nos jornais diários de Londres e serviram para desviar o foco das pessoas, tanto de soldados quanto de civis, das devastadoras notícias sobre o conflito, diminuindo o estresse e a tensão, principalmente a alguns palmos abaixo da terra nos bunkers antiaéreos.
Arthur Wynne. (Fonte: El País/Reprodução)
No entanto, o que deveria ser apenas um passatempo, começou a ser visto como uma ameaça para o governo britânico durante a Segunda Guerra Mundial, conforme o cenário conspiratório do conflito piorou. E se espiões de Adolf Hitler usassem as palavras cruzadas para enviar mensagens para o Reich?
Essa possibilidade aumentou nos momentos finais da guerra, em meados de 1944, quando Winston Churchill, Franklin Roosevelt e os demais líderes das forças Aliadas, planejavam os últimos ajustes da Operação Overlord, um codinome para a Batalha da Invasão da Normandia, que derrubou as forças alemãs na Europa Ocidental ocupada.
(Fonte: Naval HIstory and Heritage/Reprodução)
As consequências seriam catastróficas caso eles perdessem o Dia D para os alemães, principalmente se eles não fossem pegos de surpresa – o elemento essencial de todo o plano. Se os alemães soubessem onde e quando os Aliados estavam chegando, eles teriam lançado ao mar 55 divisões que tinham na França, deixando os invasores na ofensiva com uma proporção de 10 para 1 contra eles.
O transtorno surgiu em maio de 1944, semanas antes do início da invasão, enquanto membros do serviço de contrainteligência britânico, o M15, tentava resolver as palavras cruzadas do dia no London Daily Telegraph, quando uma das respostas para a pista “pertencente aos EUA” foi “Utah” que, coincidentemente ou não, era também um dos codinomes escolhidos para a operação – além de ser o nome de um estado do país norte-americano.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
Pode até parecer muito conspiratório, mas não para aquela época, em que tudo poderia significar algo. Os agentes completaram as palavras cruzadas e descobriram várias palavras correspondentes à operação, como "Mulberry", "Omaha", "Neptune" e até "Overlord".
Assim que a descoberta chegou ao conhecimento de Churchill, ele enviou agentes para rastrearem a pessoa que criou as palavras cruzadas daquela edição, visando descobrir se ela estava em conluio ou não com o inimigo.
Eles chegaram até Leonard Dawe, um professor de 54 anos e diretor da Strand School, em Londres, que havia sido deslocado para Surrey quando os bombardeios começaram ainda em 1939. Além de lecionar, ele gostava de criar palavras cruzadas como hobby, que oferecia como trabalho para alguns jornais, inclusive o London Daily Telegraph.
(Fonte: Sandboxx/Reprodução)
Quando indagado sobre o motivo de ter usado aquelas palavras em específico para aquelas palavras cruzadas, ele apenas respondeu: "Por que não usá-las?". Proibidos de revelar qualquer coisa, os agentes apenas foram embora, convencionados de que era apenas uma coincidência.
Mas também é possível que os codinomes da operação tenham chegado até Dawe através de seus alunos, pois ele tinha o hábito de pedir para que sugerissem palavras para incluir em suas palavras cruzadas. Os soldados conviviam muito em meio às crianças, e provavelmente falavam demais Overlord, Neptune ou Omaha para se referir à invasão – palavras que as crianças poderiam considerar "divertidas".
Seja como for, a invasão da Normandia aconteceu como planejado, entrando para a história ao se tornar responsável por sepultar o nazismo na Segunda Guerra Mundial.