Ciência
25/06/2024 às 10:00•2 min de leituraAtualizado em 25/06/2024 às 10:00
Em 1986, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado fez uma série que se tornaria uma de suas principais produções e uma das obras do fotojornalismo mais premiadas de todos os tempos. Gold - Mina de Ouro Serra Pelada reúne 56 fotografias tiradas pelo mineiro e levou ao mundo o registro de um formigueiro humano que se acumulava na Amazônia brasileira.
O trabalho se tornou tão célebre que uma das fotos da série foi elencada em uma lista do The New York Times com as 25 fotografias que tiveram o poder de mudar o curso da história. As imagens em preto e branco carregaram para vários lugares a visão de um lugar em que milhares de homens arriscavam as suas vidas em busca do sonho de se tornarem ricos, caso encontrassem ouro.
Na época, Sebastião Salgado tocava um projeto ambicioso chamado Workers, que consistia em fotografar 42 histórias diferentes sobre o trabalho manual em diversos ângulos. Dentre eles, entrava o registro da maior mina a céu aberto no mundo, localizada no Pará.
Salgado foi até lá e passou 33 dias no local com a sua câmera, optando por fotografar com filme preto e branco, o que trouxe um ar mais dramático às cenas registradas. Em palavras veiculadas em uma das exposições da série, o fotógrafo mineiro pontuou uma síntese do que viu: “o que dizer desse metal amarelo e opaco que leva homens a abandonar seus lares, vender seus pertences e cruzar um continente a fim de arriscar suas vidas, seus corpos e sua sanidade por causa de um sonho?”.
As imagens logo chegaram até a Europa e carregaram para o mundo uma visão sobre uma tragédia humana: a de que o emprego manual, que definia o conceito de proletariado (ou seja, a capacidade de vender o seu trabalho) estava prestes a ser substituído pela mecanização e pela informatização.
Os 50 mil homens que estavam no local logo seriam substituídos por técnicas de mineração mecânica. "Olhando agora para trás, poderíamos ter prestado mais atenção quando vimos as incertezas sociopolíticas emergentes daquilo que chamávamos levianamente de 'comunidades pós-industriais'", afirma Neil Burgess, um famoso agente que atuou na venda da série de Salgado para galerias internacionais.
A obra de Sebastião Salgado não foi a única de destaque de sua carreira, mas ajudou a mostrar a todos os cantos do mundo a potência do trabalho deste fotógrafo brasileiro, que é constantemente equiparado a nomes como Edward Weston, George Brassaï e Robert Capa. Entre outros temas, ele já registrou as consequências do declínio do trabalho manual e industrial, a Amazônia e as grandes migrações em massa.
Com Gold, ele não se tornou o primeiro fotógrafo a registrar o garimpo da Serra Pelada (o pioneirismo foi do fotojornalista português naturalizado brasileiro Juca Martins), mas deu a cara definitiva para esse fenômeno, explicitando a situação miserável daquelas pessoas e esclarecendo como o capitalismo explora vorazmente a força de trabalho do proletariado.
Nem sempre seu olhar foi avesso a críticas. Alguns pensadores, como Susan Sontag, o acusaram de estetizar a pobreza, ou seja, de retratar cenas terríveis de uma forma que é até agradável aos olhos. Mas há outras análises que já apontaram detalhes nem sempre visíveis a todo mundo, como o fato que o fotógrafo se coloca em um ângulo abaixo dos trabalhadores quando os documenta, empoderando-os.
Independente das opiniões divergentes, o fato é que Gold se configurou como um grande clássico do fotojornalismo e guarda o posto de obra determinante ao olhar que o mundo todo tem dos trabalhadores nas regiões mais pobres do planeta.