Estilo de vida
02/01/2023 às 09:30•3 min de leitura
Se você já passou uma cirurgia e necessitou de anestesia geral, muito provavelmente experimentou o esquecimento — uma interrupção da consciência mais completa do que o sono mais profundo. Horas ou dias inteiros podem passar em um milissegundo. Essa é a prova de que você pode deixar de "ser" e o mundo vai continuar sem você. Algumas pessoas podem achar isso assustador. Já o neurocientista Anil Seth acha completamente reconfortante.
No ano de 2017, Seth deu uma palestra para o Ted Talks, que já foi vista mais de 12 milhões de vezes, fazendo uma destilação alucinante das suas três décadas de pesquisas sobre a percepção e a realidade humana. Seth finaliza a palestra parafraseando o famoso escritor britânico Julian Barnes: "Quando o fim da consciência chegar, não há nada a temer — absolutamente nada".
(Fonte: Bret Hartman/TED)
Esse foi o sentimento ao qual ele voltou a falar em seu último livro, o best-seller Being You, publicado em 2021. "Quando você vê o quão frágil e precária é a nossa consciência unificada, de nós mesmos e do mundo, quando você as maneiras como isso pode dar errado ou simplesmente ser completamente abolido, você pode considerar isso uma coisa assustadora ou um lembrete para ficar muito feliz onde você está", explicou o neurocientista na divulgação do livro. Ele escolheu a última opção.
(Fonte: Nvitstudio/Shutterstock)
Seth começou a estudar a consciência em meados da década de 1990, época em que os avanços na computação e nas imagens cerebrais davam aos cientistas novas ferramentas para entender a mente. Em 1994, o filósofo australiano David Chalmers traçou um desafio em uma palestra na Conferência Inaugural da Ciência da Consciência em Tucson, no Arizona. Chalmers expôs o que descreveu como "o difícil problema da consciência" — como a matéria física objetiva pode dar origem à experiência única e subjetiva da consciência?
Como alguém poderia descrever adequadamente a sensação de ser você, com referência apenas ao seu cérebro e à sua biologia? Você achou difícil entender? Não se sinta sozinho — nós e vários pesquisadores de comunidades científicas ao redor do mundo, também.
Filósofos e cientistas tentaram resolver esse baita desafio de diferentes maneiras. Os panpsiquistas (filósofos que acreditam que a consciência não é exclusiva dos humanos e de organismos mais complexos, mas permeia todo o universo e é uma característica fundamental da realidade) argumentam que a consciência é uma qualidade fundamental de toda a matéria. Já no outro extremo, os ilusionistas acreditam que a consciência é apenas imaginária. Anil Seth, cuja formação acadêmica inclui física, psicologia, computação e neurociência, diz que chegou a uma conclusão mais satisfatória.
(Fonte: Bret Hartman/TED)
A pesquisa do neurocientista o levou a uma resposta radical — a maneira como você vê a si mesmo e ao mundo é uma alucinação controlada. Em vez de perceber passivamente o nosso entorno, nossos cérebros estão constantemente refinando previsões sobre o que esperamos ver. Dessa forma, criamos o nosso próprio mundinho.
Seth utiliza o caso The Dress para exemplificar o seu estudo — a foto viral de um vestido de festa que, para algumas pessoas aparenta ser dourado e branco e, para outras, azul e preto. Em sua palestra, o cientista também utiliza outro exemplo para deixar mais didática a explicação do caso. Ele reproduz duas vezes um áudio de uma voz distorcida, aguda e extremamente incompreensível que poderia estar falando qualquer idioma, ou até mesmo nenhum. Em seguida, Seth prepara o seu público dizendo a frase: "Acho que o Brexit é uma péssima ideia". Quando ele reproduz o clipe novamente, as palavras se tornam imediatamente tão fáceis de entender que é difícil imaginar como não poderiam ser.
Ainda para o neurocientista, o termo "alucinação" confunde as pessoas, pois pode sugerir que a percepção é arbitrária ou que as coisas não existem. Na verdade, se nossos cérebros estão funcionando corretamente, estamos constantemente atualizando nossas previsões com base no feedback dos nossos sentidos. É por isso que a percepção comum é uma alucinação controlada. Sendo assim, Seth está aberto à ideia de que o mundo físico não existe da maneira que pensamos.
(Fonte: Shutterstock)
Alguns aspectos da percepção são mais ilusórios do que outros. Nossa experiência de nós mesmos, como tendo uma identidade duradoura e estável ao longo do tempo, é uma ilusão útil para nossas vidas. Assim como a nossa percepção de livre arbítrio — acreditamos que estamos agindo livremente quando seguimos nossas próprias crenças, objetivos e desejos, mas não podemos escolhê-los livremente. O propósito da consciência, ou de todas essas alucinações, é nos manter vivos. Quando morrermos, isso será extinto.
Quanto ao difícil "problema", Seth acredita que quanto melhor entendermos nossos cérebros – quanto mais precisamente pudermos medir, manipular e rastrear a consciência – menos complicado o problema se torna. Entretanto, essa teoria não satisfaz a todos. O dono do questionamento feito em 1994 discorda que o problema da consciência pudesse ser resolvido dessa maneira. "Você ainda precisa explicar o mecanismo pela qual a matéria objetiva produz experiências subjetivas", explica Chalmers.
Ele também enfatizou seu terreno comum: a abordagem de Seth em mapear estados conscientes para estados cerebrais – como identificar, por exemplo, quais neurônios correspondem a "ver vermelho" ou "pensar no jantar". Para Chalmers, essa é a mesma abordagem que ele recomendaria. Se ainda ficou difícil de entender isso tudo, é só assistir o filme "Matrix" e pensar que a vida pode estar imitando a arte. Ou seria o contrário?