Ciência
28/03/2023 às 11:02•2 min de leitura
Um trabalho de Genética desenvolvido há quatro anos pela Universidade de São Paulo (USP) descobriu, por acaso, um gene que protege os povos amazônicos da doença de Chagas. Publicada no início deste mês (8) na revista Science Advances, a pesquisa relata o primeiro exemplo de seleção natural mediado por um patógeno entre seres humanos, nas Américas.
O estudo investigou, originalmente, as possíveis pegadas de adaptação genética ao complexo ecossistema amazônico, através da análise genômica de 19 populações nativas. "Vale lembrar que essa floresta é um ambiente hostil, de difícil sobrevivência. A vegetação é muito alta, há pouca luz, temos a circulação de diversos patógenos", explicou a geneticista Tábita Hünemeier, coautora do trabalho, à BBC.
Curiosamente, a doença de Chagas, uma doença parasitária tropical em franca expansão no mundo, não causa grandes danos e sofrimentos aos povos tradicionais da Amazônia, apesar de o vetor da doença – o inseto barbeiro (Triatoma infestans) – existir em abundância na região, e crescer com o desmatamento.
Populações amazônicas desenvolveram proteção genética contra a doença de Chagas.
A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, cuja transmissão aos seres humanos é causada pela picada e pelo contato com as fezes do inseto barbeiro. Uma das hipóteses tradicionais tentava vincular a maior resistência das comunidades amazônicas à doença com o tipo de habitação comum por lá.
Como a explicação foi considerada simplista, a equipe de pesquisadores da USP avaliou o genoma de 118 pessoas, que fazem parte de 19 populações nativas diferentes espalhadas por toda a Amazônia. Posteriormente, esses dados genéticos foram comparados com os de outros povos das Américas e da Ásia.
Diferentemente do que ocorre em outros locais do planeta, as populações ancestrais que habitam a maior floresta tropical da Terra revelaram alterações fundamentais em três genes específicos, sendo que os genes codificadores PPP3CA e DYNC1I1 "foram sugestivamente associados à soropositividade e resposta imune de T. cruzi", diz o estudo.
A análise genética envolveu 118 pessoas de 19 populações diferentes.
Para comprovar suas hipóteses, os pesquisadores testaram um dos supostos genes adaptados, o PPP3CA. Em laboratório, esses especialistas introduziram esse trecho genético (que é muito comum entre populações da Amazônia) em sequências de células cardíacas, que são as mais impactadas pelo protozoário T. cruzi.
O resultado foi fascinante, avalia Hünemeier: "Nós vimos uma redução de 25% na carga de parasitas que conseguiam entrar nas células cardíacas com o gene PPP3CA adaptado". Isso significa que a mutação no fenótipo dos habitantes da Amazônia está barrando, na prática, a entrada de mais patógenos causadores da doença de Chagas nas células do tecido muscular do coração.