Ciência
21/07/2015 às 06:54•4 min de leitura
Imagine que você está visitando um casarão antigo, desses com piso de madeira que fica rangendo a cada passo, e, de repente, entra em um cômodo pouco iluminado e repleto de bonecas antigas. Você começa a olhar ao seu redor e vê exemplares com os olhos semicerrados, assim como outros com olhos de vidro bem arregalados, olhando diretamente para você. Tem até algumas marionetes penduradas em um dos cantos.
No cômodo também existem bonecas de porcelana, algumas de cera e até feitas de madeira, e suas expressões variam de estranhamente felizes a melancólicas. Além disso, diversas não têm cabelo algum em suas cabeças, enquanto outras contam com fios que fazem cachinhos — algumas estão organizadas em grupos que lembram aqueles orfanatos da Era Vitoriana dos filmes de terror. Você acha que se sentiria desconfortável em um lugar desses?
Mesmo que você não sofra de pediofobia — ou medo patológico de bonecas —, é bastante comum sentir certa aflição quando estamos na presença delas, e a razão disso é o fato de serem réplicas humanas inanimadas e confundirem o nosso cérebro, mexendo com um dos nossos instintos mais básicos: a nossa capacidade de reconhecer situações de risco.
De acordo com Linda Rodriguez McRobbie do portal Smithsonian.com, as bonecas fazem parte das nossas vidas há milhares de anos e, ao longo da História, esses brinquedos atravessaram continentes e classes sociais nas mãos das crianças de todo o mundo. Além disso, apesar de já terem sido produzidas com os mais diversos materiais — como pedras, argila, porcelana, vinil e tecido —, basicamente, as bonecas representam pessoas em miniatura.
Segundo Linda, essa característica (de serem objetos inanimados parecidos com pessoas) fez com que as bonecas servissem para que a sociedade pudesse projetar seus anseios nelas. Tanto que, curiosamente, quando observamos as bonecas de diferentes eras, é possível notar que elas refletem os valores culturais de cada época.
Além disso, também fica claro que as bonecas tiveram — e ainda têm — uma importante função instrutiva, muitas vezes reforçando as normas e o comportamento social esperado de meninos e meninas.
No final do século 19, por exemplo, muitos pais deixaram de ver seus filhos como adultos incompletos, associando a infância como um período de inocência que deveria ser preservado. Portanto, nessa época as bonecas passaram a ser produzidas de forma que tivessem feições mais angelicais.
Além disso, ao longo dos séculos 18 e 19, o costume de vestir e trocar as bonecas servia para que as meninas se interessassem e aprendessem a tricotar e a costurar — e as garotas também aproveitavam para praticar interações sociais, como o tradicional chá da tarde e até funerais, através de suas brincadeiras.
Já no início do século 20, quando mais e mais mulheres começaram a sair de casa para entrar no mercado de trabalho, as bonecas em forma de bebê se tornaram mais populares, introduzindo as meninas à ideia de vida doméstica e maternal.
A Barbie, por outro lado, surgiu na segunda metade do século 20, e as diferentes versões da boneca ofereciam às meninas uma variedade de alternativas pelas quais elas podiam aspirar — enquanto isso, o surgimento das figuras de ação apresentou aos meninos a oportunidade de poder brincar com bonecos de maneira socialmente aceitável.
Segundo Linda, a sobrevivência humana depende da nossa habilidade de conviver em grupo e identificar e evitar riscos em potencial. Do ponto de vista evolutivo, indivíduos capazes de identificar situações perigosas se saíam melhor do que os demais. Por outro lado, os que não tinham essa habilidade, além de ignorarem possíveis ameaças, provavelmente eram mais suscetíveis a tirar conclusões precipitadas e a serem socialmente isolados.
Normalmente, o que a maioria das pessoas faz quando se depara com algo realmente perigoso? Grita e sai correndo, não é mesmo? Ou, ainda, quando vemos uma coisa nojenta, nós sabemos como lidar com a situação. Entretanto, na falta de evidências reais de que um determinado risco existe, as nossas emoções se tornam conflitantes, e é então que começamos a sentir aquele desconforto estranho.
Alguns pesquisadores acreditam que, até determinado nível, a linguagem corporal e a imitação de alguns gestos são fundamentais para ajudar nas interações humanas. Assim, comportamentos incomuns, como quando alguém começa a invadir o nosso espaço pessoal ou gesticula demais — ou de menos —, também nos causam desconforto.
Atitudes como essas fogem um pouco das convenções sociais com as quais estamos acostumados e nos deixam desconfiados com respeito às intenções dos “esquisitões”. Tudo isso nos torna hipervigilantes e nos leva a focar e a processar qualquer informação relevante que nos ajude a decidir se há algo a temer ou não.
Sem falar que os nossos cérebros estão projetados para identificar nos rostos das pessoas informações como intenções, emoções e possíveis riscos. E nós estamos tão preparados para isso que somos capazes de ver feições em todas as partes. Veja alguns exemplos nesta matéria, nesta aqui e nesta outra também!
As bonecas se encaixam nessa categoria, pois, apesar de elas parecerem humanas, nós sabemos que elas não são. Por outro lado, como parte do nosso cérebro desconfia que elas possam ser humanas, ele espera que elas gesticulem a qualquer momento. E, por mais que tenhamos consciência de que as bonecas não oferecem qualquer risco às nossas vidas, ver um rosto que parece humano, mas não é, mexe com os nossos instintos mais básicos.
Basicamente, o “vale da estranheza” se refere a uma hipótese proposta nos anos 70 pelo especialista em robótica japonês Masahiro Mori. Segundo ele, os seres humanos respondem de forma favorável às replicas humanoides até que elas começam a se tornar parecidas demais com uma pessoa real.
As pequenas diferenças entre réplicas e indivíduos de carne e osso podem estar na inabilidade de fazer contato visual corretamente, caminhar de maneira incomum ou apresentar determinados padrões de fala. E essas pequenas discrepâncias são amplificadas até alcançarem o ponto de causarem desconforto, medo, irritação e inquietação.
No caso das bonecas, elas só começaram a se tornar assustadoras a partir dos séculos 18 e 19, depois que elas passaram a ficar cada vez mais parecidas com pessoas reais. Isso foi acontecendo graças ao desenvolvimento de vários mecanismos que permitiam que as bonecas parecessem executar algumas ações realizadas pelos humanos, como fechar os olhos quando colocadas na posição horizontal.
Assim, não é nenhuma surpresa que as bonecas mais assustadoras sejam aquelas que têm a aparência mais humana. E o fato de que essas réplicas não “envelheçam” muito bem também não ajuda muito. Observe a imagem a seguir, na qual os olhos se tornam foscos ou param de funcionar e o rosto começa a descascar... Vai dizer que elas não se parecem com bebês sinistros?
Além das razões que apresentamos acima, o fato de existirem por aí bonecos que supostamente seriam possuídos por demônios ou espíritos malignos — como é o caso de Annabelle e do boneco Robert — só ajuda a aumentar o nosso desconforto na presença dessas miniaturas humanas.
E os filmes de terror souberam tirar proveito da sensação de medo que as bonecas provocam nas pessoas — quem não se lembra do palhaço malévolo de Poltergeist ou do Chucky? —, já que, pensando pelo lado sinistro da coisa, além de serem humanoides desprovidos de emoções, as bonecas são “carcaças” perfeitas para que espectros diabólicos tomem como morada!
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