Ciência
08/11/2024 às 21:00•4 min de leituraAtualizado em 08/11/2024 às 21:00
As pessoas se tornaram obcecadas por bebidas energéticas. O mercado global no segmento Energy & Sports Drinks está atualmente estimado em US$ 68 bilhões, segundo a Aumen Research and Consulting, e deve alcançar os US$ 98,8 bilhões até 2032. Essa escalada dos energéticos dura 9 anos consecutivos, com a geração Z compreendendo cerca de 50% do total de consumidores do produto.
Contendo geralmente altas concentrações de cafeína e outras substâncias, como taurina, beta-alanina, inositol e glucuronolactona, os energéticos caíram na graça popular de maneira internacional em meados de 1984, quando o empresário Dietrich Mateschitz descobriu a bebida energética Krating Daeng, muito famosa no mercado asiático, durante uma viagem ao Japão.
O produto foi uma invenção da empresa Taisho Pharmaceuticals, em 1962, que começou fabricando um tônico energizante à base de ervas chamado Lipovitan D, destinado a motoristas de caminhão e trabalhadores de fábricas que precisavam se manter acordados por longos turnos.
Em seguida, bebidas semelhantes ganharam terreno no mercado de alimentos asiáticos na década de 1980. Foi assim que Mateschitz descobriu o Krating Daeng e sua popularidade entre os empresários, jovens universitários e trabalhadores e propôs uma parceria para levar a marcar a nível mundial. Assim nasceu o Red Bull que, depois do sucesso na Europa, chegou aos Estados Unidos em 1997, e se tornou uma febre da noite para o dia.
Diretor de investimentos da Running Point Capital Advisors, Michael Schulman definiu o que vivemos agora no mercado global como a "corrida das bebidas energéticas", em que as empresas estão apostando cada vez mais para chamar atenção para seu produto e cativar o paladar e necessidades do público-alvo. Enquanto isso, pesquisadores, como Gary Hemphill, da Beverage Marketing Corporation, observam como a obsessão por bebidas energéticas pode trazer consequências a longo prazo à saúde da sociedade.
Atualmente, existem 190 marcas de bebidas energéticas disponíveis no mercado global, de todos os tamanhos, sabores e concentrações possíveis de ingredientes. Cada uma delas prometendo um tipo de benefício diferente, seja para o paladar ou para o organismo. E essas pessoas compram – aos montes.
Um estudo publicado esse ano no Science Direct revelou que cerca de 32% das pessoas em todo o mundo consumiram uma bebida energética durante setembro. Apesar de uma xícara de café possuir 100 miligramas de cafeína e uma lata de energético de meio litro apenas 160 miligramas, a comunidade médica se preocupa com o efeito que essas bebidas podem ter, por exemplo, em um corpo em desenvolvimento.
Os energéticos não carregam uma substância muito nociva, mas há subgrupos na sociedade que correm mais risco e que podem ter a saúde mental e física afetadas a longo prazo, exatamente porque o corpo está em desenvolvimento.
Além disso, há também o desconforto quando se trata dos impactos potenciais no sistema cardiovascular e na saúde mental do consumo intenso ou sustentado dessas bebidas em adultos. Cientistas encontraram evidências de aumento da insônia, que pode levar a vários transtornos de estresse, palpitações cardíacas, ansiedade e condições gastrointestinais. Houve relatos de casos ocasionais de pessoas que tiveram parada cardíaca e até morte por abuso no consumo de energéticos.
Muito embora não há muitas idas ao pronto-socorro ou casos que posam ser atribuídos a essas bebidas, isso não significa que não valha a pena ficar de olho no fenômeno que estão se tornando cada vez mais. Em 2005, o Four Loko foi introduzido como uma bebida alcoólica energizante e iniciou a tendência – hoje muito mais em alta do que naquela época – em misturar energético com álcool.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) desaconselha a mistura de cafeína de qualquer tipo com álcool, pois pode mascarar o efeito depressivo do álcool, induzindo a pessoa a pensar que não está tão prejudicada quanto está. Esse comportamento pode levar ao consumo excessivo de álcool e a decisões perigosas, como dirigir embriagado. O CDC também descobriu que quem faz essa mistura tem mais chances de desenvolver o alcoolismo.
Estamos atravessando a era do burnout, em que várias pessoas experimentam o esgotamento físico e mental devido à rotina de trabalho, e as bebidas energéticas foram embaladas por um marketing cínico que garante que elas são a melhor companhia quando alguém precisa de um combustível a mais. Prometendo aumentar a resistência física e transmitir uma sensação de bem-estar para que corpos exaustos suportem só mais um pouco, os energéticos podem trazer consequências cerebrais e metabólicas significativas a longo prazo.
Um relatório do Ministério da Saúde da Espanha apontou que alguns dos efeitos adversos das bebidas energéticas são a estimulação dos sistemas nervoso central e cardiovascular e sua relação com o sobrepeso e a obesidade. O consumo regular dessas bebidas pode ser associado a overdose de cafeína, hipertensão, perda de massa óssea e osteoporose.
A empresa Monster Energy está sob a investigação do Food and Drug Administration (FDA) pelas cinco mortes relacionadas ao consumo de energéticos da marca, começando em 2017, em que uma menina de 14 anos morreu ao beber dois energéticos Monster em 24 horas. Não é por acaso que desde 2013 o estado de Washington promoveu uma legislação que impede menores de 18 anos de comprar bebidas energéticas.
Segundo Lidia Martínez, uma das coordenadoras do grupo de trabalho de intoxicações da Sociedade Espanhola de Medicina de Emergência Pediátrica, é preciso conscientizar, sobretudo os adolescentes, que esse produto comercializado cada vez mais como uma bebida recreativa cria dependência à cafeína, um tópico pouco abordado na sociedade.
Especialistas, como Chema González Echevarri, neurologista da Unidade de Condições Neucognitivas do Hospital Joan XXIII, na Espanha, alertam que, ainda que não haja evidências consistentes sobre as consequências de curto prazo do consumo de bebidas energéticas, os efeitos a longo prazo do consumo crônico são amplamente desconhecidos.