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07/04/2021 às 12:00•4 min de leitura
O terremoto que atingiu Lisboa, a capital de Portugal, naquele 1º de novembro de 1755, foi um dos mais poderosos da história da Europa, e também responsável por redesenhar a arquitetura da cidade, promover impactos na sociedade, na economia e em outros aspectos da história em geral.
Às 9h30 daquele dia, os portugueses religiosos lotavam as igrejas de Lisboa como parte das celebrações da festa do Dia de Todos os Santos. Na metade do século XVIII, além de ser considerada um dos epicentros do catolicismo, a capital também era a 4ª cidade mais populosa de toda a Europa.
Sendo assim, no momento em que o terremoto sacudiu a terra, o alcance da tragédia foi avassalador.
(Fonte: Britannica/Reprodução)
Uma vez que as igrejas da cidade não foram projetadas para resistir a nenhum tipo de abalo da terra, muitos fiéis encontraram seu fim quando os telhados dos edifícios desabaram sobre eles. A cidade foi partida com fissuras de 5 metros de largura, e vários habitantes recorreram ao espaço aberto das docas, buscando não ficar preso em meio aos desabamentos nas ruas estreitas. Contudo, eles se viram cercados com o mar recuando cada vez mais, se preparando para um tsunami.
O balançar da terra derrubou milhares dentro de casas e igrejas, transformando Lisboa em um inferno de chamas que levou a vida das pessoas mais rápido do que o próprio terremoto.
Com o epicentro no oceano Atlântico, a cerca de 200 quilômetros ao sul do arquipélago de São Vicente, o terremoto durou aproximadamente de 3 a 6 minutos, e foi tão forte que foi sentido em vários países da Europa, no norte da África e até na costa da Cornualha.
(Fonte: Look and Learn/Reprodução)
Cerca de 40 minutos depois que Lisboa foi sacudida de ponta a ponta, a primeira onda do tsunami se ergueu para apagar as chamas e empilhar os escombros de maneira ainda mais letal. Em todo o sul do país, a força das águas destruiu fortalezas costeiras, vilas e aldeias inteiras.
Algumas cidades do norte da África Portuguesa também sofreram com os reflexos da movimentação do mar, tendo portos inundados completamente. Na Espanha, as ondas varreram a costa atlântica de Andaluzia, praticamente destruindo a cidade de Cádis e causando a morte de cerca de 1 terço da população.
Sebastião José de Carvalho e Melo. (Fonte: Wikpedia/Reprodução)
A conta final para a capital de Portugal foi devastadora: estima-se que cerca de 30 a 40 mil habitantes foram mortos. De acordo com a pesquisa do historiador Álvaro Santos Pereira, o número total de vítimas do terremoto, dos incêndio e do tsunami em Portugal, na Espanha e em Marrocos, chegaram em 50 mil.
Por volta de 85% das edificações de Lisboa foram arrasadas para sempre, junto com a arquitetura manuelina do século XVI, que desapareceu em meio aos abalos ou foi consumida pelo fogo, como aconteceu com a Ópera do Tejo, inaugurada apenas 6 meses antes da tragédia.
O Palácio Real da Ribeira, próximo ao Rio Tejo, na praça do Terreiro do Paço, foi desabado pelo terremoto, com sua biblioteca real de mais de 70 mil livros repleta de obras de arte de Ticiano, Rubens e Correggio. Muita da dificuldade de traçar momentos exatos do passado da capital se deu devido ao desaparecimento de arquivos reais e registros históricos, tais como os que detalhavam as explorações de Vasco da Gama e de outros navegadores. O palácio de Henrique de Meneses (Marquês de Louriçal), que possuía uma biblioteca com 18 mil exemplares, também foi engolfada pelas chamas.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Com a quantidade de destruição e mortes, Lisboa se tornou um local de puro medo, onde os fiéis passaram a questionar a própria fé. Enquanto membros da família real sofriam com o desespero, foi o Primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (o Primeiro Marquês de Pombal), quem teve a iniciativa de organizar esforços para recomeçar. “É o momento de enterrar os mortos e curar os vivos”, disse o homem, quando questionado sobre o que eles deveriam fazer.
Bombeiros foram convocados para apagar os últimos focos de incêndios, e civis recrutados para removerem os milhares de cadáveres e os enterrassem no mar, indo contra o costume da Igreja. Uma força-tarefa militar foi estabelecida para evitar que, mesmo em meio à desgraça, ladrões se aproveitassem do momento para tentar levar o pouco que havia sobrado. Além disso, o exército criado também impediu que muitos cidadãos fugissem à obrigação, forçando-os a ficar para reconstruir a capital.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em 4 de dezembro de 1755, Manuel da Maia, o engenheiro-chefe do reino, apresentou seus projetos para a reconstrução de Lisboa, sendo que um deles era que todos abandonassem a capital e começassem uma cidade do zero. No entanto, o projeto escolhido pelo rei e seu ministro foi o de destruir toda a Baixa de Lisboa e estabelecer uma padronização na construção de casas e edifícios, que seriam feitos em uma trama de madeira que ficou conhecida como "gaiola pombalina", visando resistir a sismos e prevenir incêndios. Foi até formulado um programa para tropas marcharem ao redor das construções para criar abalos que simulassem tremores, em prol de garantir a efetividade do projeto.
A partir disso, o centro histórico de Lisboa, a “Baixa Pombalina”, se transformou em um dos projetos urbanísticos de larga escala mais estudados do mundo.
(Fonte: Portal de Portugal/Reprodução)
O sismo de Lisboa transformou radicalmente a economia do país, com uma queda de cerca de 48% do PIB da época e aumentando a dependência de Portugal com relação à Inglaterra. Por outro lado, o esforço contribuiu para reanimar setores da economia, como a construção civil, mas não resolveu a curto prazo. Sendo assim, o desespero para pagar as contas fez Portugal aumentar os impostos sobre o ouro brasileiro vindo de Minas Gerais, pois o Brasil era a colônia portuguesa mais rica da época. Essa atitude desenvolveu o famoso sentimento antiportuguês que anos mais tarde culminaria na Inconfidência Mineira.
Em seu livro A Ira de Deus, o historiador inglês Edward Paice ressaltou que o terremoto de Lisboa teve um impacto no imaginário popular parecido com o causado pelo atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Além disso, o fato de ter ocorrido em um dia considerado "santo" foi o suficiente para abrir debates entre religiosos, que enxergavam a tragédia como um "alerta divino"; e os teólogos, que acusavam um tipo de "castigo divino".
Os filósofos iluministas, por sua vez, encararam tudo como a razão triunfando sobre a fé. Em seu livro seminal Cândido, Voltaire foi o principal responsável por questionar a "vontade divina" sobre a noção do pensamento de que "Deus sabe o que faz".