'Ugly Carnival': quando as francesas foram humilhadas publicamente

27/04/2021 às 15:004 min de leitura

Na Bíblia, na epístola de Paulo aos Coríntios, é dito que o cabelo da mulher é o seu bem mais precioso, pois foi dado a ela para ser usado como um manto. Também é ressaltado que uma mulher sem o seu cabelo é alguém sem honra e significa que cometeu algo vergonhoso demais aos olhos de Deus. Por isso, a maior punição que uma mulher poderia receber é ter a cabeça raspada.

Na Grécia Antiga, as mulheres de cabeça raspada eram consideradas prostitutas, muito embora nas obras de arte gregas elas fossem retratadas com cabelos longos e curtos. De acordo com o historiador militar Antony Beevor, a Idade Média engrossou a punição – também retratada na Bíblia – de que uma mulher que cometeu adultério ou traição deveria perder a "característica feminina mais sedutora" que possui: os cabelos.

(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)

Essa noção foi reintroduzida no século XX durante a Guerra da Independência da Irlanda, em meados de 1919. Foram documentados milhares de casos em que grandes grupos de homens, geralmente mascarados, atacavam mulheres para torturá-las e raspar seus cabelos. Em 29 de maio de 1920, o Leitrim Observer publicou uma notícia sobre um ataque na vila Chuslough, a cerca de 8 quilômetros da cidade de Tuam.

Durante a Guerra Civil Espanhola, os falangistas rasparam as cabeças de milhares de mulheres de famílias republicanas e as trataram como se fossem prostitutas, que representavam a escória da qual faziam parte.

Esse tipo de ataque voltou a acontecer anos mais tarde, e de maneira ainda mais vexatória e perturbadora.

As páreas da sociedade

(Fonte: Franceinfo/Reprodução)(Fonte: Franceinfo/Reprodução)

Quando a França foi desocupada pelas posses da Alemanha nazista que a dominaram durante a Segunda Guerra Mundial — fato que é um eterno motivo de vergonha para o povo francês —, os momentos de celebração incluíram também os doentios episódios de vingança contra as mulheres que se envolveram direta ou indiretamente com os inimigos e foram consideradas "colaboradoras da guerra".

Além de serem espancadas em praça pública por uma horda de homens, mulheres de várias idades e origens também tinham as cabeças raspadas como sinal de traição e adultério, exatamente igual os visigodos faziam na Idade Média.

(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)

Inflamados pela humilhação que a ocupação alemã os causou, milhares de membros da resistência e até participantes da luta da libertação visaram encontrar culpados entre a própria sociedade para conseguir descontar a ira reprimida durante tanto tempo. Denominados "vigilantes da França", esses homens classificaram os atos colaborativos que violaram a "moral francesa" em três categorias: política, financeira e pessoal.

Quem colaborou politicamente foi quem participou de alguma organização  que compartilhava de pontos de vista opostos aos grupos mais radicais de resistência. O colaborador financeiro, por sua vez, foi aquele que se beneficiou monetariamente do contato dos alemães, ou seja, donos de comércios em geral que não boicotaram os nazistas. E o colaborador pessoal foi quem manteve relacionamento com algum membro da ocupação alemã.

O desfile da humilhação

(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)(Fonte: All That's Interesting/Reprodução)

Entre 1943 e 1946, estima-se que cerca de 20 mil mulheres foram vítimas desses atos brutais em decorrência de denúncias, sendo falsas ou tendenciosas na maioria dos casos. Depois que tiveram suas cabeças raspadas, as mulheres foram forçadas a desfilar pelas ruas da França em carroças ao som de tambores, de maneira similar ao que acontecia com prisioneiros condenados durante a Revolução Francesa. Algumas delas foram pintadas com besunte de alcatrão, tiveram as roupas rasgadas até que ficassem seminuas e foram marcadas com suásticas na testa, nas costas ou no meio do peito, com tinta ou batom.

“Assisti a uma carroça dessas passar, acompanhada de vaias e assobios da população francesa, com uma dúzia de mulheres miseráveis em cima, de cabeças raspadas e expostas. Elas estavam em lágrimas”, registrou Jock Colville, o secretário particular do então Primeiro-ministro britânico Winston Churchill. “Isso me fez refletir que nós, britânicos, não conhecíamos nenhuma invasão ou ocupação por cerca de 900 anos. Portanto, não éramos os melhores juízes”.

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Em sua maioria, as vítimas da humilhação eram mulheres que estavam à margem da sociedade, como as prostitutas e mães solteiras que aceitavam relações com soldados alemães como um meio de sustentar suas famílias enquanto seus maridos estavam fora ou depois que foram abandonadas por eles. As professoras que haviam sido intimidadas a fornecer alojamento para os alemães também foram marginalizadas e humilhadas.

Forrest Pogue, historiador norte-americano, escreveu que as mulheres foram caçadas como animais e que pessoas receberam recompensas em dinheiro para que denunciassem o paradeiro de qualquer "escória da França". Enquanto os cabelos eram queimados em fogueiras que cheiravam a quilômetros de distância, centenas de prostitutas eram chutadas até a morte na sarjeta das ruas em Paris. No outro extremo da escala social, várias mulheres do alto escalão da elite francesa foram apenas ridicularizadas em momentos passageiros.

A cadeia de reprodução

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Diante da total inércia das autoridades francesas, foram os líderes da resistência em Paris que fizeram um esforço determinado para que os homens parassem de raspar a cabeça das mulheres. O coronel Henri Rol-Tanguy chegou a publicar vários cartazes pela cidade alertando sobre as represálias contra as mulheres, mas sem muito efeito.

Além dos registros de repórteres, nunca houve uma investigação aprofundada sobre o "Ugly Carnival", como a prática ficou conhecida pelo mundo. Ninguém nunca quis saber como as vítimas ficaram e a polícia só ficou encarregada de informar sobre os cadáveres das mulheres que eram encontrados pelas ruas, todos devidamente marcados com a cabeça raspada e a suástica em alguma parte de seu corpo, como se fosse uma forma de dizer que com aqueles os policiais não precisavam se preocupar.

(Fonte: Illustrated History/Reprodução)(Fonte: Illustrated History/Reprodução)

Demorou até o final da primavera de 1945 para que os casos diminuíssem, depois que os trabalhadores forçados, prisioneiros de guerra e vítimas de campos de concentração voltaram da Alemanha. Foi basicamente um ato de purificação final. Enquanto isso, na Bélgica, Itália, Noruega e Holanda, a reação misógina de raspar a cabeça das mulheres como punição também aconteceu, só que em menor escala.

Para a História, ficou claro que as mulheres foram apenas uma maneira de os homens descontarem o sentimento de impotência e o ego ferido por terem sido diminuídos pelas tropas alemãs durante toda a ocupação. Ou seja, eles precisavam de um saco de pancadas para descontar toda essa frustração.

Fonte

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