Ciência
27/06/2021 às 05:00•2 min de leitura
Em 28 de abril de 1998, um artefato que viria a ser considerado blasfemo e infame pelo islamismo era encomendado pelo suposto terrorista da Al-Qaeda, Saddam Hussein, como objeto de celebração de seu 61º aniversário. O item, que mais tarde foi nomeado como "Alcorão de Sangue", surgiu como um agradecimento a Deus pela vida, mas explicita uma controvérsia teológica e política ímpar na história do Oriente Médio, especialmente por macular a obra sagrada para os fiéis.
Com o apoio do calígrafo Abbas Shakir Joody al-Baghdadi, que encomendou o Alcorão personalizado para Saddam, o ex-ditador iraquiano optou por "lançar" sua própria obra como um reforço à fé, acusada de ter sido a principal responsável por salvar seu filho Uday Hussein de uma tentativa de assassinato em 1996. Para ficar quite com o destino do descendente, ele acumulou quase 27 litros de sangue em dois anos para entregar como sacrifício, fabricando uma tinta que iria movimentar de vez o clero islâmico.
(Fonte: Knowledge Nuts / Reprodução)
Segundo as autoridades religiosas locais, o sangue humano é considerado najis, ou seja, um instrumento ritualístico estritamente impuro, e a atitude de Saddam, ao preencher as 605 páginas com 114 capítulos e 6 mil versos do Alcorão original, seria uma afronta sem precedentes. Além disso, órgãos científicos suspeitaram da origem do material que serviu como tinta, visto que a quantidade anual que cada pessoa pode doar de sangue é aproximadamente três litros. Estaria Saddam utilizando sangue de capturados e torturados? É uma pergunta que segue sem respostas.
O Alcorão de Sangue permaneceu sob exibição por anos, até que foi escondido em uma mesquita de Bagdá durante a tomada da cidade pelas forças americanas, em 2003. Desde então, o livro fica trancado em um cofre por trás de três conjuntos de portas trancadas, sob a proteção do xeique Chehab al-Samarrai, que o mantém fora de vista enquanto clérigos e políticos debatem o destino do material.
Por ser, então, considerado um Alcorão, o livro não pode ser destruído pelo estado e configura um verdadeiro dilema. "Tal livro nunca foi escrito desde o Profeta, então por que Saddam deveria fazê-lo? Mas não há diretrizes, quem entre os estudiosos já teria pensado que seria necessário escrever regras para tal coisa?", questionou o professor Abdul Kahar Al-Any, da Universidade de Bagdá.
A obra é considerada um dos poucos exemplos remanescentes da caligrafia islâmica nativa, segundo a Biblioteca Nacional.