Ciência
09/09/2021 às 12:00•3 min de leitura
Antes de líderes ditadores temerem os livros, a população fez isso primeiro. Em 12 de setembro de 1895, quando morreu de tuberculose um homem chamado Jessie Allan, bibliotecário na Biblioteca Pública de Omaha (Nebraska, EUA), as pessoas começaram a cogitar a possibilidade de que o trabalhador tivesse encontrado seu fim porque algum livro teria transmitido a doença a ele.
Chamado de "grande medo do livro", esse frenesi de que livros de bibliotecas pudessem espalhar doenças mortais foi totalmente esquecido no decorrer da história.
De acordo com a professora Annika Mann, autora de Reading Contagion: The Hazards of Reading in the Age of Point, o pânico surgiu a partir do entendimento público em relação às causas de doenças, por exemplo no que se refere a germes. Isso aconteceu logo após a divisão do bacilo de Koch e foi em uma época na qual os Estados Unidos e a Grã-Bretanha sofriam com epidemias de tuberculose, varíola e escarlatina.
Porém, havia muito mais por trás desse medo repentino.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
A possibilidade de livros contaminados passando de mão em mão se tornou uma fonte significativa de ansiedade, tanto para as pessoas como para as bibliotecas públicas, que enfrentavam um momento significativo no país: a ascensão da disseminação de livros por meio de uma rede pública e compartilhada.
Além de contrair qualquer doença apenas pelos resíduos infectados deixados na capa de um livro, também foi cultuada a ideia de que o simples ato de abri-lo trazia doença pela inalação da poeira que havia nos exemplares.
Tanto nos Estados Unidos (EUA) quanto na Grã-Bretanha, "o grande medo do livro" atingiu seu ápice em 1879, quando vários médicos passaram a considerar os livros como potencial fonte de disseminação de doenças.
(Fonte: NPR/Reprodução)
Na Grã-Bretanha, a Lei de Saúde Pública de 1875 não proibia o empréstimo de livros, mas previa que fossem banidos trapos de roupas de cama ou outros objetos que tivessem sido expostos à contaminação. Até 1907, a lei foi atualizada para incluir explicitamente os livros como vetores de doenças infecciosas.
“Se qualquer pessoa souber que está sofrendo de uma doença infecciosa, ela não deve pegar nenhum livro, usar ou fazer com que qualquer livro seja retirado para seu uso em qualquer biblioteca pública ou circulante”, ficou previsto na Seção 59 da Emenda das Leis de Saúde Pública da Grã-Bretanha.
Nos EUA, no entanto, as legislações agiram apenas em âmbito estadual, afastando ainda mais as pessoas das bibliotecas.
(Fonte: World Digital Library/Reprodução)
Temendo que as bibliotecas definhassem até deixarem de existir, os bibliotecários tiveram que inovar os métodos de higienização de livros. Eles tentaram mantê-los em vapor de cristais de ácido carbólico aquecido em um forno e esterilizaram-nos por meio de solução de formaldeído, ainda que fosse prejudicial à conservação dos livros.
Um estudo em Dresden, na Alemanha, revelou que as páginas de livros sujas geravam mais micróbios ao serem esfregadas com os dedos molhados. Para provar isso, William R. Reinick expôs 40 cobaias a páginas de livros supostamente contaminadas. Segundo seus resultados, todas as pessoas morreram após o teste.
Então o frenesi adquiriu caráter de fobia, sobretudo com a pressão que a mídia fazia veiculando cada vez mais matérias que colocavam os livros como "fontes de contágio", mesmo que algumas delas, como a de 29 de junho de 1879 do Chicago Daily Tribune, tenha mencionado que as chances de contrair doenças a partir de livros eram muito pequenas — ainda que não pudessem ser totalmente descartadas.
Já o Ohio Democrat fez declarações irresponsáveis, como dizer que a escarlatina foi espalhada pelas bibliotecas ao terem livros tirados delas para entreter os pacientes nos hospitais.
(Fonte: The New York Times/Reprodução)
Em 1900, em meio ao caos que a histeria coletiva causou, surgiu uma tática derradeira para frear qualquer transmissão: os livros infectados deveriam ser queimados e não devolvidos. Então, assim foi feito nos EUA e na Grã-Bretanha sob recomendações médicas.
Demorou para que as pessoas se questionassem do risco de contágio, se era real ou se não passava de um "efeito em manada". Os britânicos começaram a experimentar se perguntar disso conforme os médicos e os professores de higiene relatavam que não havia quase nenhuma possibilidade de contrair doenças por meio de um livro.
Para os historiadores, contudo, o que de fato aconteceu foi uma histeria coletiva em relação à aversão do conceito crescente da existência de bibliotecas públicas. Tantos os americanos quanto britânicos temiam que esses locais facilitassem o acesso aos livros considerados "obscenos" ou "subversivos".
Além disso, os "oponentes do sistema de bibliotecas públicas", como denomina Mann, ajudaram a atiçar o medo do que os livros poderiam espalhar — mas que estava mais dentro deles do que fora de suas páginas.