Artes/cultura
24/09/2021 às 02:00•4 min de leitura
Quando a adaptação cinematográfica do livro O Conde de Monte Cristo, escrito por Alexandre Dumas (1802-1870), surgiu nas telas de cinema em 1908, era o nascimento de Hollywood. A partir desse momento, foi apenas um caminho de ascendência contínua até que essa indústria de fazer filmes se tornasse referência mundial, principalmente durante os “anos dourados” da década de 1930.
Com uma franquia de estúdios na Califórnia, começando em Sunset Boulevard (Los Angeles), Hollywood fabricou produções, mas também grandes e notórios artistas consumidos pelos "ossos do ofício".
Da mesma maneira que figuras como Eddie Mannix (1891-1963), da MGM Studios, se esforçaram para encobrir qualquer escândalo, os artistas foram submetidos a cláusulas contratuais que poderiam destruí-los.
Rita Hayworth. (Fonte: Metropoles/Reprodução)
Além da falta de controle sobre em quais papéis atuariam e da impossibilidade de escolherem romper contratos, os profissionais não tinham identidade alguma. Assim que assinavam seus nomes nos documentos, os artistas deixavam de existir, quase literalmente. Isso aconteceu com Natalie Wood (1938-1981), Marilyn Monroe (1926-1962) e Judy Garland (1922-1969), por exemplo, mulheres que tiveram seus nomes alterados para se distanciarem de suas origens.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Famosa por interpretar Gilda no filme de 1946, Rita Hayworth (1918-1987) nasceu Margarita Cansino, filha de pai espanhol e mãe irlandesa-americana. A atriz foi forçada a mudar seu nome para ter um apelo mais anglo-saxão, além de passar por uma transformação para eliminar traços de sua etnia, como o sotaque.
Mas questões étnicas não foram os únicos motivos pelos quais atores tiveram que mudar de nome. A polêmica Joan Crawford (190?-1977), nascida Lucille LeSueur, teve que trocar seu nome de batismo porque um executivo da MGM disse que o sobrenome soava como “esgoto” (sewer em inglês).
Shirley Temple jovem. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
Apesar do apelo visual que Hollywood sempre enalteceu em seus atores e atrizes, ter um rostinho bonito não era o suficiente. Em seu livro Child Star, a lendária Shirley Temple (1928-2004), vítima de décadas de abusos psicológicos e físicos desde sua estreia infantil na indústria, deixou isso bem claro.
Em 1930, a mãe de Temple ouviu que a jovem precisava de aulas de atuação para que pudesse "destravar" o potencial que havia nela, pois não podiam arriscar tudo por sua beleza e seu carisma naturais.
Esse processo de treinamento acontecia logo após a assinatura do contrato, como se deu com Ava Gardner (1922-1990), indicada ao Oscar, que ouviu de um dos produtores que estiveram em sua primeira audição que ela não podia atuar. A estrela de Mogombo também foi submetida a diversas aulas de canto para se livrar de seu sotaque sulista e se enquadrar no padrão hollywoodiano de mulheres.
Joan Crawford. (Fonte: Jornal do Dia/Reprodução)
Apagar um nome, traços étnicos falados ou físicos era apenas o começo para o departamento de Publicidade dos estúdios, responsável por inventar histórias da vida pregressa de suas estrelas.
Crawford nasceu cercada por miséria, mas a MGM a fez esconder seu passado dizendo à imprensa que veio de uma família de classe alta. O estúdio também afirmava que Garland comia demais, "como uma motorista de caminhão", toda vez que ela ganhava peso por conta das gravidezes que escondeu desde seus 19 anos na tentativa de escapar da rede de abortos forçados ministrados pelos estúdios.
A MGM tomou todas as medidas necessárias para preservar a imagem virginal de suas atrizes, casadas ou não. Ter uma vida própria não estava em seus contratos, então elas não poderiam reivindicar autonomia. Afinal, o público queria ver pessoas como Garland, a eterna Dorothy de O Mágico de Oz, segurando um ursinho de pelúcia, e não um bebê. Para os empresários, filhos destruíam a carreira de uma estrela, principalmente a das mulheres — visto que os homens poderiam simplesmente não declarar a paternidade.
Os traumas dos abortos não consentidos e as invenções destruíram o psicológico dessas mulheres, que também sofreram por quererem viver 24 horas o personagem inventado para elas, mas tinham que enfrentar a própria verdade quando não havia um tabloide por perto.
(Fonte: Timeline/Reprodução)
Entre 1930 e 1945, Hollywood produziu mais de 7,5 mil filmes em seus estúdios. Para conseguirem isso, os produtores levaram seus atores à exaustão física e emocional, já que não havia limite em seus contratos para as jornadas de trabalho diárias.
Para enfrentarem abatimento e desmaios em horas diante das câmeras, as estrelas recebiam um "banquete" de todos os tipos de drogas que as mantivessem energizadas. Até a década de 1950, segundo o ex-médico da 20th Century Fox, Lee Siegel, todos os atores usavam algum tipo de droga para se manterem funcionando.
(Fonte: Vanity Fair/Reprodução)
Garland foi um dos exemplos dessa exploração. Durante as gravações de O Mágico de Oz, ela só folgava 1 dia por semana após enfrentar turnos de 18 horas diárias de canto, dança e atuação. Para aguentar, a atriz foi entupida de cápsulas de anfetamina, conseguindo dormir apenas altamente medicada devido a tanta química em seu organismo.
Garland morreu aos 47 anos em decorrência de uma overdose de drogas.
(Fonte: Vanity Fair/Reprodução)
Certamente o que contribuiu para a ruína de Garland — a primeira declarada por Hollywood — foi não poder contar com ninguém, nem mesmo com a própria mãe, que estava em conluio com os estúdios.
Assim como todas as outras, a estrela estava cercada por espiãs camufladas como assistentes pessoais exigidas pelos contratos para acompanhá-las aonde quer que fossem. Os contratados eram obrigados a fazer relatórios sobre suas estrelas para repassar aos estúdios.
Os artistas não conseguiam fugir desses espiões, que eram motoristas particulares, garçons e até zeladores dos condomínios onde moravam. Os empresários se certificavam de cercá-los de pessoas compradas de tal forma que só lhes restava a mais pura solidão.
(Fonte: Judy Garland News/Reprodução)
Betty Asher, assistente de Garland, a enganou até o último momento, quando a estrela descobriu que ela mantinha uma planilha detalhada de cada passo. "Lembro-me de chorar por dias depois de descobrir o que ela estava fazendo comigo", revelou Garland em seu livro Get Happy: The Life of Judy Garland.
De fato, todas as estrelas que assinaram com Hollywood tiveram o que os magnatas prometeram: dinheiro, fama, glamour e glória eterna. A maioria daqueles que viraram horas em estúdios se tornaram lendas do século passado e influências históricas na máquina do cinema.
Mas, infelizmente, tiveram sua ingenuidade explorada quando entraram em salas de empresários para assinar contratos que mudariam suas vidas, para o bem ou para o mal.