Ciência
23/09/2021 às 06:30•3 min de leitura
Foi em 1936 que o professor, historiador, escritor e ministro presbiteriano Dr. Thornwell Jacobs, então presidente da Universidade Oglethorpe (Georgia, EUA) teve a ideia de criar uma cápsula do tempo. O conceito surgiu para ele depois que ficou chocado com a escassez de informações sobre civilizações antigas, chegando à conclusão de que pessoas no futuro, talvez, também se deparassem com o mesmo problema.
Para isso, então, ele decidiu construir o que chamou de “Cripta da Civilização”, com a ajuda de Thomas Kimwood Peters (especialista em microfilme), cujo objetivo seria armazenar um registro abrangente de toda a humanidade daquela época.
Dr. Thornwell Jacobs. (Fonte: Source/Reprodução)
Jacobs desceu até o porão do Phoebe Hearst Hall, na universidade em que era presidente, e montou sua cripta atrás de uma porta de aço inoxidável em uma sala impermeabilizada com 6 metros de largura, 3 metros de altura e 3 metros de profundidade.
Entre 1937 e 1940, homens e mulheres colocaram lá todo o tipo de artefato, outrora modernos, ao lado de 640 mil páginas de livros microfilmados. A cripta só deve ser aberta daqui a 6.107 anos, ou seja, em 8113.
(Fonte: New Georgia Encyclopedia/Reprodução)
No ápice da Segunda Guerra Mundial, um dos períodos mais determinantes para a história da humanidade (que poderia terminar a qualquer momento com uma guerra nuclear), Jacobs publicou seu artigo descrevendo sua ideia em criar algo permanente para deixar para as gerações futuras em uma edição de 1936 da revista Scientific American. Foi um verdadeiro sucesso.
A empresa Westinghouse Company foi a primeira a demonstrar interesse em construir um contêiner de aço lacrado para o início da cripta do professor. A empresa foi também a responsável por chamar o bunker de “cápsula do tempo”, instantaneamente cunhando um termo que eternizou Jacobs como o “pai da cápsula do tempo”.
(Fonte: Express/Reprodução)
Todo o ambicioso projeto foi meticulosamente pensado pelo homem, a começar pelo tempo que ficaria selado embaixo da terra — Jacobs teria usado como referência o que se pensava ser a data mais antiga registrada no calendário do Antigo Egito, o ano de 4241 a.C.
Em 1936, esse primeiro registro dos egípcios havia completado 6.117 anos, então o professor definiu que um período igual a esse deveria se passar até que a cápsula pudesse ser aberta. Com isso, se tudo desse certo e a estrutura não fosse danificada ou destruída, a cripta só será aberta em 28 de maio de 8113.
(Fonte: Vice/Reprodução)
Nas memórias que incluiu em sua câmara para deixar como registro, Jacobs deixou claro que sentia “uma aguda falta de compreensão da vida cotidiana em suas próprias investigações históricas”. Ele disse que, se não fosse por uma catástrofe natural, como a erupção do Vesúvio, as glórias de Pompeia e Herculano nunca teriam sido reveladas.
Muito embora Jacobs se mostrasse comprometido com a experimentação e com o pensamento livre de armazenar tudo o que a história disse até aquele ponto, ele não conseguiu fugir dos dois estigmas que assolavam os Estados Unidos naquela época: o racismo e o elitismo.
Em suas memórias, o professor deixa claro o sentimento racista quando reflete de maneira triste em como a Proclamação de Emancipação de Lincoln libertou “4 milhões de negros meio-selvagens e lhes concedeu o direito ao voto”. Nada disso manchou a fama de sua cripta, um dos projetos de cápsulas do tempo mais bem documentados, porque os pensamentos do fundador só foram digitalizados e disponibilizados online em 2016.
Jacobs nunca teve treinamento como educador. Em sua adolescência, se formou como tipógrafo e impressor, mais tarde recebendo seu bacharelado e mestrado pela instituição fundada por seu pai. Durante o tempo em que passou no Seminário Teológico de Princeton, ele foi ordenado ministro presbiteriano.
(Fonte: Amusing Planet/Reprodução)
Quando foi empossado no cargo principal da universidade, suas raízes racistas afloraram, visto que em 1916 ele apenas admitia homens brancos no campus, permitindo que mulheres brancas entrassem somente a partir de 1920.
A cripta de Jacos incluiu tudo o que, do ponto de vista apenas dele, pensava ser significativo nas artes, ciência, comércio e indústria. Com somente uma boneca negra em meio aos artefatos que deveriam definir a história, a tumba não contém nada sobre os afro-americanos no país.
“Você não pensaria que os negros existiram”, disse Paul Hudson, um professor de História da Perimeter College, responsável por redescobrir a cripta em 1970. “Teria sido uma história mais surpreendente se não fosse assim”, pontuou ele.
David Pilfrim, professor de sociologia da Ferris State University, apontou que a cripta pode ter incluído material relacionado a protestos no final dos anos 1930 e a cobertura da vitória do homem negro Jesse Owens nas Olimpíadas, visto que contribuições culturais afro-americana eram ignoradas ou vistas como caricaturadas.
Ainda é incerto o futuro da cripta, dado que a Universidade Oglethorpe não tem nenhuma obrigação legal em mantê-la. A instituição, inclusive, renega a história de sua fundação, bem como o legado controverso do próprio Jacobs.
De qualquer forma, historiadores enxergam a influência da Cripta da Civilização em um futuro bem distante como algo perigoso, apesar de terem a esperança de que tenhamos abandonado os conceitos de raça até lá.