Artes/cultura
29/09/2021 às 13:00•3 min de leitura
Desde 2017, um fórum criado por um anônimo no 4Chan vem abalando inúmeras relações pessoais nos Estados Unidos e em outras regiões do planeta, após colocar o ex-presidente Donald Trump como uma espécie de líder supremo. Repleto de ideias infundadas e sugestões que tendem ao absurdo, a teoria conspiratória QAnon surge como uma prova do poder da internet na vida das pessoas e indica sérios riscos físicos e psicológicos causados em membros do grupo.
QAnon é uma teoria ampla que coloca Donald Trump como o grande protagonista da salvação humana, liderando o combate contra uma espécie de esquema de tráfico internacional sexual de crianças, grupos canibais e pedófilos comandados pela elite do Partido Democrata. Essa afirmação foi disseminada em 2017 por um usuário anônimo intitulado apenas como “Q” (daí vem o nome QAnon), que afirmava ser uma espécie de insider do governo norte-americano.
A partir de então, as ideias se espalharam através de mensagens compartilhadas como ultrassecretas, em que Q indicava possuir dados confidenciais sobre oponentes do governo Trump, atores liberais de Hollywood, políticos e altos funcionários do Estado. Com o tempo, o grupo evoluiu e se tornou uma organização, com a suposta existência de uma cabala secreta e uma série de ações online que se caracterizavam pelo lema “onde for um, vamos todos nós”.
(Fonte: The New York Times/Reprodução)
Especialistas na conspiração também afirmam que os membros têm ligação com o satanismo, especialmente por utilizarem recorrentemente termos como “a tempestade” e “o grande despertar”, intimamente relacionados ao milenarismo e apocaliticismo. Segundo reportagem da Forbes em setembro de 2020, uma pesquisa realizada pela Daily Kos/Civiqs apontou que 56% dos republicanos apoiavam o QAnon e eram ativamente participativos na internet.
Além do QAnon acreditar que a posse de Joe Biden foi falsa, os membros divulgam esquemas que apontam a iminente volta de Trump ao poder, retornando em uma cena triunfal onde revelará segredos que determinarão o destino de várias pessoas importantes, como a ex-candidata presidencial democrata Hillary Clinton. Além disso, eles sugerem que as vacinas anticovid estão sendo desenvolvidas por ricos para controlar a mente dos cidadãos e apontam esquemas de fraudes em eleições.
Todas essas teses estariam fundamentadas em um suposto golpe de estado liderado por Barack Obama, Hillary Clinton e George Soros, quando Trump teria fingido alianças com os russos para recrutar o advogado e ex-diretor do FBI Robert Mueller.
(Fonte: Reuters/Reprodução)
“O QAnon é diferente no sentido que parece um videogame. As pessoas podem ir para essas salas de bate-papo anônimas, onde pegam dicas secretas e tentam decodificá-las. Depois de inventarem seu próprio significado, elas compartilham e discutem com a comunidade online. Então existe um aspecto de jogo nisso, e uma identidade de grupo, uma vez que as pessoas se sentem parte de alguma coisa”, explica o cientista político Joseph Uscinski.
Apesar de o movimento ter perdido forças após muitos integrantes perceberem que as previsões não se concretizaram, especialmente com a grande figura da invasão do Capitólio em janeiro de 2021, Jacob Chansley (o homem com chapéu de pele e chifres), afirmando que irá representar judicialmente contra Donald Trump, o QAnon rompeu inúmeras relações sociais. Em pouco menos de quatro anos, famílias, amizades e vidas foram destruídas pela conspiração, e muitos ainda tentam se recuperar do baque viral.
Parte dessa quebra ocorreu devido à falta de diálogo e à resistência para aceitar o ciclo das eleições e os argumentos científicos, já que a obsessão pelas perspectivas espalhadas no fórum fecharam a mente das pessoas para o raciocínio lógico e para questionamentos. Muitos desses membros, então, partiram para a violência física e em redes sociais, tendo seu psicológico afetado e, consequentemente, impactando na vida de outros ao redor.
(Fonte: The World/Reprodução)
“As teorias da conspiração tendem a ser particularmente proeminentes em tempos de crise”, disse a professora Karen Douglas, psicóloga social da Universidade de Kent. “As pessoas estão procurando explicações que as ajudem a lidar com situações difíceis quando há muita incerteza e informações contraditórias. Elas também podem estar procurando por respostas simples que as façam se sentir melhor, e as teorias da conspiração podem parecer oferecer essas respostas simples.”
Várias vítimas do QAnon continuam em fase de recuperação, ajudados por fóruns em que mais de 180 mil ex-integrantes compartilham experiências pavorosas que acusam o grupo de manipulação, falsidade ideológica e radicalismo exacerbado.