Ciência
14/12/2021 às 13:00•3 min de leitura
A redução da maioridade penal é um daqueles temas que sempre causa polêmica. Há quem afirme que a atual legislação é muito branda com os menores infratores. Por outro lado, existem aqueles que acham que tratar jovens infratores como adultos pode dificultar a sua ressocialização, fazendo com que eles sejam assediados pelo crime organizado.
Contudo, como foi que chegamos à legislação atual? Pode ser difícil de acreditar, mas a legislação brasileira já foi muito mais dura em relação a esse assunto — e essa impiedade causava mais vítimas do que as infrações cometidas pelas crianças.
Justiça brasileira considerava crianças de nove anos responsáveis pelos seus atos. (Shutterstock)
Muitas leis do Código Penal brasileiro de 1890, o primeiro conjunto de leis republicanas, soam absurdas quando lidas hoje. Esse código trazia grande juízo de valor sobre tudo aquilo que era popular e descendia de escravos.
Lutar capoeira ou fazer comida de culinária africana era crime, por exemplo. Em relação às crianças, não havia distinção dos adultos. Poderiam ser presas a partir dos nove anos de idade — e muitas foram. Ao serem levadas pelos policiais, eram colocadas nas mesmas celas dos adultos, deixando-as vulneráveis a todo tipo de violência.
O menino Bernardino era mais uma das milhares de crianças pobres do Rio de Janeiro. Aos 12 anos, o jovem menino negro trabalhava como engraxate.
Aliás, existia um ditado popular que ilustrava bem a opinião das pessoas sobre o trabalho infantil: “Trabalho de criança custa pouco. Só não aproveita quem é bobo” — e foi justamente um adulto se aproveitando de uma criança que fez com que a vida de Bernardino mudasse para sempre.
Caso Bernardino chocou a sociedade brasileira. (Fonte: Agência Senado)
O menino se irritou quando um cliente não quis pagar pela engraxada. Bernardino jogou tinta no homem, que chamou a polícia. O engraxate até tentou explicar o que havia acontecido, mas ninguém o ouviu.
Bernardino foi jogado em uma cela com dezenas de criminosos. Ele foi espancado e violentado durante quatro semanas. Depois, foi jogado nas ruas do Rio de Janeiro. Ferida, a criança foi levada para a Santa Casa de Misericórdia, onde dois jornalistas decidiram ouvir a sua história, publicando-a nas primeiras páginas do Jornal do Brasil.
O caso teve enorme repercussão e fez com que o presidente Washington Luiz assinasse o Código de Menores, criando o conceito de maioridade penal aos 18 anos, que impede crianças de irem para prisões comuns.
Os menores de 14 anos foram considerados inimputáveis, ou seja: irresponsáveis pelos seus atos.
Em 1938, foi criado o Serviço de Auxílio ao Menor (SAM). Presente em algumas capitais, o SAM foi criticado pela violência com a qual tratava os internos.
Durante a Ditadura Militar, foi criada a Fundação Estadual Para o Bem-Estar do Menor. A Febem dividia os internos entre menores abandonados e infratores. A iniciativa ficou conhecida pelas constantes fugas dos internos.
Se você quiser entender melhor como funcionava a Febem, vale a pena recorrer ao cinema nacional. O cineasta brasileiro Héctor Babenco dirigiu o filme Pixote – A Lei do Mais Fraco (1981). Nele, Babenco narra a história de um grupo de menores infratores que foge da Febem. O elenco era formado por crianças carentes e muitas delas haviam passado pela instituição.
Com o fim da Febem e a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, os estados brasileiros passaram a adotar outras iniciativas, como a Fundação Casa.
O objetivo passa a ser oferecer educação e oportunidade de ressocialização aos menores. Ainda assim, não são raros os casos de rebeliões nessas instituições.
Os meninos são maioria esmagadora no número de internos. Dados de 2018 mostraram que dos 22.203 adolescentes infratores em regime de internação no Brasil, apenas 841 eram meninas. São Paulo era o estado com mais internos: 7.911.
Atualmente, a pena máxima para um adolescente infrator é de 3 anos. Há um projeto de lei parado no Congresso que tenta reduzir a maioridade penal para 14 anos em caso de crimes hediondos.
Dados de 2016 mostram que a maioria das infrações está relacionada ao tráfico de drogas. Nesse ano, foram quase 60 mil guias punitivas relacionadas a esse tipo de delito.