Ciência
18/03/2022 às 11:00•3 min de leitura
Uma artista alemã foi vista vestindo apenas um casaco de pele. Debaixo dele, sua nudez completa. Como acessório, usava apenas um medalhão cheio de cocaína. Você chegou a ver essa notícia escandalosa nos jornais? Será que essa artista queria chamar a atenção da mídia e se tornar um viral?
A resposta é não. Anita Berber fez sucesso em um mundo diferente do nosso, mas que guarda algumas semelhanças, como um conservadorismo que se choca diante de excessos. Contudo, essa dançarina alemã é muito maior do que as suas polêmicas. Corajosa, Anita protagonizou obras tão importantes que a colocaram em destaque na história do cinema mundial.
Anita Berber em retrato de Magnus Merck. (Fonte: Magnus Merck / Wikimedia Commons / Reprodução)
Anita era filha de Félix Berber e Lucie Berber. Seus pais eram artistas. Ele era violinista da Orquestra Municipal e ela era cantora e atriz. Contudo, Anita foi criada pela avó, pois seus pais se separaram um ano após seu nascimento.
Anita foi educada no Instituto Jaques-Dalcroze, em Hellerau, cidade alemã que ficou famosa por reunir muitos artistas. Esse instituto estimulava os alunos a criarem consciência dos movimentos corporais, usando esse conhecimento em sua arte. Isso foi importante na formação de Anita Berber.
Aos 14 anos, ela foi viver com a sua mãe. Estudou francês e confeitaria em um internato feminino. Naquele ano, a Europa viveria o início da Primeira Guerra Mundial.
Anita e sua mãe se mudaram para Berlim, onde ela começou a estudar teatro, sendo aluna Rita Sacchetto. Rita era considerada uma artista de vanguarda e hoje também é reconhecida como um nome importante na história do cinema e da dança.
Jornais diziam que Anita Berber era “a nova maravilha na arte da dança”. Em 1918, ela estrelou seu primeiro filme. Naquela época, os filmes ainda eram mudos. Sem as palavras, a expressão corporal dos atores era ainda mais importante.
Pôster do filme Diferente dos Outros. (Fonte: Eu Assisti / Reprodução)
Algumas pessoas acham que abordar a homossexualidade na ficção é algo recente. Mas, em 1919, Berber participou do filme “Diferente dos Outros”, dirigido por Anders als die Andern. Trata-se de uma das primeiras obras audiovisuais a falar da homossexualidade — muito antes de qualquer novela da Globo sonhar em existir.
Com seu trabalho sendo aclamado pela crítica e pelo público, Anita vivia em seu auge — e sua vida pessoal era tão intensa quando a profissional. Em 1919, em uma festa pós-show, ela dançou nua para o público. Essa seria a primeira de muitas apresentações do tipo.
Casou-se com o rico roteirista Eberhard von Nathusius. O casamento não a impediu de viver vários romances, inclusive com outras mulheres. Gastando fortunas em roupas, joias e drogas, a artista se rendia aos excessos da vida que escolheu viver. Agora, público e imprensa passavam a se interessar mais pela sua vida pessoal do que pelas suas obras.
Foi nesse período que ela era vista andando nua, como na cena descrita neste texto. As pessoas se dividiam diante das ações de Anita, mas a Berlim da época não conseguia ignorá-la.
Nesse período, ela já era uma estrela das apresentações de cabarés. Seu casamento acabaria em 1921, quando ela se tornaria amante de Susi Wanowiski, que era dona de um clube lésbico. Susi também se tornou sua agente e secretária.
Em 1922, ela se casa novamente, dessa vez com o também artista Sebastian Droste. O casal se conheceu trabalhando juntos. A união deles foi inovadora para a arte, pois Droste incorporou novos materiais e técnicas nas apresentações que realizavam. A obra mais notável de ambos foi “As Danças de Depravação, Horror e Ecstasy”, criada em apenas cinco meses.
Agora, os excessos começavam a pesar a vida de Berber. Ela chegou a se internar em um sanatório para tentar se livrar do vício em drogas. Ainda em 1922, ela faria a turnê de “Lucrécia Bórgia”, filme que contava a história de outra mulher que se tornou mundialmente famosa. Foi outro grande sucesso.
(Fonte: Eu Assisti / Reprodução)
Apesar disso, Droste se mostrou um péssimo empresário para Anita. Ele assinou contratos de exclusividade com três teatros diferentes e tentou pagá-la com uma nota falsa. Os erros do marido de Anita fizeram com que ambos fossem proibidos de se apresentar em qualquer lugar da Europa por dois anos. A artista desobedeceu à proibição e chegou a ser expulsa da cidade de Viena.
O casamento terminou em 1923. Sebastian roubou tudo o que pode de Anita e fugiu para Nova Iorque. Anita se reergueu e até se casou novamente, dessa vez, como bailarino estadunidense Chatin-Hoffman.
Em 1926, durante uma apresentação na antiga Iugoslávia, Anita proferiu insultos ao rei. Ficou presa durante seis semanas. Nos dois anos seguintes, a artista se apresentou por vários locais para se recuperar financeiramente, pois havia falido.
Durante uma apresentação na Síria, ela desmaia. Diagnosticada com tuberculose, seu dinheiro foi consumido pelo transporte da Síria até a Alemanha, já que ela precisava de cuidados. Foi preciso que antigos amigos ajudassem a custear a viagem. Quatro meses depois ela morreria, sendo enterrada em um túmulo para indigentes em Berlim. Esse cemitério não existe mais.