Ciência
11/08/2022 às 06:35•3 min de leitura
A Netflix estreou agora em agosto a série The Sandman, baseada nos quadrinhos escritos por Neil Gaiman. Publicada pela DC Comics em 75 capítulos entre 1989 e 1996, a HQ gira em torno do personagem Dream (Sonho), ou Lorde Morpheus. Ele é uma entidade divina que é capturado por humanos e, ao se libertar, precisa ir atrás de seus objetos para recuperar seu poder.
O Sandman imaginado por Neil Gaiman, na verdade, não é uma criação sua, mas um conceito mitológico vindo do folclore europeu. Mas, como toda mitologia gerada a partir da tradição oral, há várias origens que ajudam a explicar a sua história.
(Fonte: TechNews Brasil)
O primeiro registro que se tem do mito de Sandman foi encontrado em dicionários alemães do século XVIII, onde se lia “der Sandmann kommt”, que pode ser traduzido como "o Sandman está chegando". Metaforicamente, o mito trazia a ideia de que, quando alguém está prestes a dormir, é como se um pouco de areia tivesse sido derramada em seus olhos. Ele pode ter surgido para tornar o momento do sono mais aprazível para as crianças.
A partir daí, várias outras histórias foram desdobradas em torno do personagem — algumas mais sombrias que as outras. Uma delas é um conto de 1818 intitulado Der Sandmann, do autor alemão ETA Hoffmann, que imagina um Sandman maligno e monstruoso. Ele seria uma figura que joga areia nos olhos das crianças — mas, caso elas não durmam, os olhos caem. Sandman então recolhe os globos oculares e leva-os para alimentar seus filhos.
Uma versão mais suave de Sandman aparece nos contos de fadas do famoso autor Hans Christian Andersen. Na história Ole Lukøje, de 1841, Sandman aparece como um personagem que deixa as crianças sonolentas e as manda dormir. As boas crianças são recompensadas com bons sonhos. Já as más são punidas não com pesadelos, mas com a ausência de sonho algum.
(Fonte: Darkside)
Como quase todos os personages oriundos da mitologia, Sandman também remete a questões mais profundas do que pode parecer à primeira vista. Segundo Maria Tatar, professora de Estudos Alemães, Folclore e Literatura Infantil na Universidade de Harvard, a história Der Sandmann teve uma participação nos estudos da psicanálise fundados por Sigmund Freud. No ensaio Das Unheimliche, publicado em 1919, Freud apresenta um conceito muito importante em sua obra, referente ao estranho (ou misterioso) que nos é familiar — tal como na história do "Homem Areia".
De acordo com alguns estudiosos, o conto de Hans Christian Andersen também pode ser lido a partir de camadas mais profundas. Conforme explica Jacob Bøggild, professor do Centro Hans Christian Andersen da Universidade do Sul da Dinamarca, "O Ole Lukøie de Andersen parece ser uma figura benevolente, mas ele introduz o menino da história, chamado Hjalmar, à morte e à sexualidade. Mas ele não joga areia nos olhos das crianças, ele esguicha leite neles! Não é uma história com um enredo regular, mas mais uma sequência de quadros oníricos".
Além disso, há um dado importante. No fim do conto, descobrimos que o personagem Ole Lukøie tem um irmão que, diferente dele — que visita as crianças todas as noites, trazendo os sonhos — só visita cada pessoa uma só vez, carregando a morte.
A professora Maria Tatar atenta que estas histórias do Sandman são complexas, como boa parte das histórias infantis e canções de ninar: por um lado, elas têm o poder de acalmar os pequenos; por outro, têm um lado violento e duro. "De alguma forma, parece espelhar nossa ambivalência em relação às crianças. Nós as adoramos e queremos contar a elas histórias gentis e adoráveis, mas elas nos deixam loucos às vezes", opina.
A parte mais assustadora da mitologia do Sandman é que não há como enfrentá-lo, diferente de outros personagens de contos de fada, como o lobo mau de Chapeuzinho Vermelho. "Não há felizes para sempre, exceto adormecer, cedendo. Ele não pode ser decapitado, preso ou enganado como outros vilões. É difícil distinguir conto de fadas, mito, lenda e tudo mais, mas de certa forma ele pertence mais ao reino do mito do que aos contos de fadas", conclui Tatar.