Ciência
10/08/2022 às 08:00•3 min de leitura
Antes do cinema, o teatro era uma arte muito popular, e cujos atores bem sucedidos se tornavam celebridades muito poderosas. Por conta disso, os profissionais de teatro penavam muito para conseguir um lugar ao sol.
E poucos lutaram tanto quanto Ira Aldridge. Nascido em Nova York em 1807, ele fez uma carreira de sucesso no teatro durante o século XIX, embora tivesse uma dificuldade a mais: ele era negro, e viveu em uma época em que a discriminação racial era ainda mais generalizada nos Estados Unidos. Hoje, Ira é um hoje dos 33 homenageados com uma placa de bronze no Shakespeare Memorial Theatre em Stratford-upon-Avon.
(Fonte: Shakespeare.org)
Ira Aldridge foi educado na Escola Livre Africana de Nova York, criada para educar a comunidade negra. Ele começou a participar do teatro no extinto Park Theatre de Manhattan. Em 1821, estreava nos palcos no African Grove Theatre em uma adaptação de Pizarro, peça de Richard Brinsley Sheridan.
Segundo alguns relatos, Aldridge fez sua estreia em Shakespeare quando interpretou Romeu em uma adaptação de Romeu e Julieta, no mesmo African Grove Theatre. As apresentações da peça foram um sucesso — sendo que o grande destaque da montagem é que tanto os atores quanto a maior parte do público que ia ao teatro eram negros.
Mesmo assim, o teatro enfrentou dificuldades, e foi forçado a fechar - supostamente, por reclamações de barulho. A companhia foi então transferida para a Bleecker Street, afastando-se de seu público (essencialmente negro), mas ficando mais próxima de teatros maiores e mais sofisticados. Como tinha agora maior concorrência, logo vieram as dificuldades financeiras e os boicotes, e o teatro acabou fechando.
(Fonte: New York Times)
Farto de toda essa situação, Ira Aldridge resolveu deixar o país e ir para a Grã-Bretanha, um país que parecia mais preparado para acolher um ator negro. Para cobrir os custos da viagem, ele trabalhou como comissário de bordo no navio que o levaria para a Europa. Por um toque do destino, este detalhe foi fundamental: ele encontraria ali o ator e produtor britânico James Wallack, que lhe ofereceu a oportunidade de se tornar seu assistente pessoal.
Ao chegar em Liverpool, Aldridge deixou um emprego como mordomo e passou a trabalhar com Wallack, o que fez com que pudesse cultivar vários contatos importantes dentro do mundo do teatro. Em 1825, ele faria sua estreia em Londres interpretando Otelo. Foi o primeiro ator negro a conseguir a façanha de assumir este importante personagem de Shakespeare.
Os críticos elogiaram sua performance na nova produção, encenada no Royalty Theatre. Ira Aldridge tinha então apenas 17 anos. Ele foi então angariando outros papéis e fazendo cada vez mais sucesso.
(Fonte: Shakespeare.org)
Ira Aldridge começou então a se apresentar em teatros cada vez maiores em Londres. Seu Otelo foi transferido para o Royal Coburg Theatre, um espaço bastante tradicional. Ele também fez um papel de apoio em Titus Andronicus, outra peça conhecida do famoso dramaturgo.
Para provar que era versátil, Aldridge também atuou em papéis de humor. Ele viveu um mordomo desajeitado na comédia The Padlock. Tudo isto foi fazendo com que o ator ganhasse cada vez mais reputação, e ele ganhou o apelido de "African Roscius" - nome que fazia referência ao famoso ator romano antigo Quintus Roscius Gallus.
Isto não significa que Ira Aldridge não enfrentava percalços. Quando seu Otelo estreou no tradicional Convert Garden, em 1833, alguns críticos acharam um absurdo que um homem negro pisasse em um dos palcos mais sagrados de Londres, e começaram a publicar textos severos sobre ele.
Em vez de isso derrubar o ator americano, na verdade, o fato o motivou a subir ainda mais. Ele levou suas peças para uma turnê nacional, o que fez com que conquistasse muitos fãs. Aldridge chegou a se tornar gerente do Coventry Theatre, sendo o primeiro negro a obter este posto.
Entre as apresentações de suas montagens, Ira Aldridge também se dedicava a ministrar palestras em que falava sobre os males da escravidão e se tornava uma voz importante no abolicionismo. Ou seja, ele também tinha uma presença como ativista do movimento negro. Ele chegou, inclusive, a fazer whiteface para retratar personagens de Shakespeare - fazendo uma provocação em relação ao blackface que era realizado por atores brancos.
Na década de 1850, Aldridge era possivelmente o ator mais elogiado da Europa e tinha algumas pessoas célebres como fãs, como o autor dinamarquês Hans Christian Andersen, o poeta francês Théophile Gautier e Friedrich-Wilhelm IV, rei da Prússia, que concedeu ao americano a Medalha de Ouro Prussiana de Arte e Ciência.