Ciência
19/09/2022 às 02:00•3 min de leitura
Muita gente ama tanto algumas franquias de mídia (como os filmes da Marvel, o universo de Star Wars, os livros de Harry Potter, ou celebridades como Madonna e Britney Spears) que dedicam tempo e energia gigantescos para estes hobbies. Estas pessoas, inclusive, podem colocar estes produtos muitas vezes com o centro de suas vidas. Poderíamos dizer, talvez, que há algo de “culto” em quem participa desses fandoms?
Trata-se de uma questão difícil de responder. Mas o fato é que há já vários pesquisadores olhando para isso.
(Fonte: Pure Break)
Fandom, como sabemos, é uma comunidade formada por superfãs de algum universo ficcional. São pessoas que vão além de uma experiência superficial com um artista ou produto: elas querem sentir que tem uma ligação mais próxima com eles e dividir seus sentimentos dentro de um grupo que sente a mesma coisa.
A palavra “fã”, aliás, vem do latim fanaticus, que remete a algo “divinamente inspirado”. Ou seja, trata-se de uma experiência que pode se aproximar da questão religiosa, e demandar inclusive muito gasto de energia e dinheiro para que se possa participar.
A psicologia, inclusive, está estudando quais são os mecanismos que fazem alguém se sentir tão recompensado em ter esse tipo de participação dentro de um fandom. Alguns estudiosos já definiram até uma escala que explicaria os níveis de envolvimento dos fãs com seus ídolos. No primeiro nível, está a experiência de entretenimento-social; no segundo, a experiência intensa-pessoal; e, por fim, no terceiro, a experiência limítrofe-patológica.
(Fonte: R7)
O site Inverse entrevistou em 2015 um fã de Star Wars, chamado Daniel Hassall, que ficou esperando cinco horas numa fila para ver o filme O Despertar da Força. Ele disse: “parecia ser uma experiência de união comunal. Como se você tivesse um relacionamento único com aquela obra de arte porque você a experimentou primeiro com um grupo muito dedicado de pessoas. Para ser honesto, me lembra um culto”.
Ou seja, em comum, os fandoms e os cultos compartilham a ideia de se dividir uma mesma visão de mundo com outras pessoas. Jodi-Eichler Levine, professora de Estudos Religiosos da Lehigh University, explicou: “uma maneira de definir uma religião é que ela é uma forma que as pessoas têm de se relacionar com coisas são humanas e sobre-humanas. É também um modo que os humanos têm para construir seus lares, lidar com sofrimento e achar uma maneira de estar no mundo”.
Para a professora, todos os fandoms têm o potencial de se tornarem muito religiosos. Isto também tem a ver com o fato de que o conceito de “religião” tem se tornado cada vez mais nebuloso. Pesquisas mostram que um quarto dos americanos se consideram espirituais, mas não religiosos.
Por isso, é possível afirmar que parte do papel ideológico que as religiões tinham em sociedades mais antigas está visivelmente se transferindo aos poucos para a cultura pop.
(Fonte: Assembleia do Espírito Santo)
Eichler-Levine atenta, por outro lado, que nem sempre a religiosidade é algo benigno. Muitos cultos (sejam tradicionalmente religiosos, ou voltados a produtos da cultura pop) podem se desviar para práticas prejudiciais, que afastam os seus membros de uma participação “normal” na vida social para que se voltem a uma ideia de pureza.
Seria nesses casos, inclusive, que os fandoms se tornam cultos – quando começam ter alguma forma de controle sobre os seus membros. Daniel Hassall, que já participou de fandoms da Marvel, da DC Comics e da Star Wars, testemunhou ter tido essa experiência. “Havia uma ideia de isolamento, em que um grupo de fãs ou seguidores recebe uma designação que os separa daqueles que se envolvem apenas casualmente com as franquias. Você tem que provar suas credenciais e que aquele produto faz parte do seu estilo de vida. Além disso, você não pode fazer nenhuma crítica ao fandom”, contou para a Inverse.
A escritora Courtney Summers explorou este tema em seu novo livro, The Project. Nesta obra, ela conta a história de duas irmãs que são atraídas para uma organização que acaba se revelando como um culto perigoso. Ela observa que os fandoms trazem esta ideia de religião pois prometem ser espaços de aceite. “Fandom é muitas vezes ridicularizado por pessoas que não entendem o poderoso senso de comunidade que ele possui. É um lugar onde você pode ser a melhor versão de si mesmo”, disse ao site Psychology Today.