Ciência
10/01/2023 às 11:00•3 min de leitura
A televisão brasileira é conhecida por novelas e minisséries que buscam retratar a história do nosso país — algumas sem tanto compromisso com a realidade, o que sempre causa polêmica entre especialistas e espectadores. Mas e quando essa polêmica é causada por obras puramente ficcionais, que só retratam a vida de pessoas comuns ou são completas fábulas? É o caso dos livros dessa lista.
Acontece que essas obras causaram polêmica justamente por não serem tão ficcionais quanto diziam ser. Elas retratam pessoas e fatos reais misturados à ficção. É um gênero conhecido como roman à clef — do francês, "romance com chave". Ou seja, há uma "chave" para saber quem são as pessoas reais por trás dos supostos personagens.
Na literatura brasileira, um dos melhores exemplos é A Conquista, de Coelho Neto. Ele retrata o próprio autor (com o personagem Anselmo Ribas) e outros intelectuais da época envolvidos na luta abolicionista. Mas essa não causou polêmica — então, vamos à lista.
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Publicado originalmente no Brasil com o título A Revolução dos Bichos, esse livro é um dos exemplos mais famosos de roman à clef — e um dos mais polêmicos. A tal fazenda onde se passa a história é a Rússia e a revolução é a tomada do poder pelos socialistas.
Não é difícil traçar paralelos entre a obra e a vida real. O fazendeiro que maltrata os animais é Nicolau II, czar da Rússia. O porco Major, que inspira a revolta, é uma mistura de Marx e Lenin. Napoleão, que se volta contra os ideais da revolução por poder, é Josef Stalin, enquanto Bola-de-Neve seria uma alegoria a Trotsky.
O britânico Orwell era um socialista democrático, crítico de Stalin e sua ditadura. O problema é que, na época em que o livro foi escrito, os soviéticos estavam lutando ao lado do Reino Unido contra os nazistas — também criticados no livro. Por isso, o autor demorou para encontrar algum editor que quisesse publicar sua obra, hoje aclamada.
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A americana Sylvia Plath é mais conhecida como poeta, sendo A Redoma de Vidro seu único romance publicado em vida — a escritora cometeu suicídio em 1963, aos 30 anos.
A história de Esther Greenwood é baseada na própria juventude de Plath e em sua luta contra a depressão. Isso inclui problemas com amigos e namorados, além de uma relação difícil com a mãe, que acreditava ajudar a filha.
Por não querer que a mãe soubesse do livro, Plath publicou-o com um pseudônimo — mas a autoria foi revelada pouco tempo depois do suicídio da escritora. Aurelia Plath considerava o livro "cruel" com pessoas que tentaram ajudar Sylvia e demorou a autorizar a publicação nos Estados Unidos, sua terra natal.
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Lord Byron é um dos escritores britânicos mais aclamados da história — e já era famoso em sua época, no início do século XIX. Então, imagine só a confusão quando sua amante, Lady Caroline Lamb, publicou um romance satirizando seu caso com Byron.
Ele era Glenarvon, o personagem que dá título à obra, mas não era nenhum herói. Além disso, várias outras personalidades públicas da Grã-Bretanha, como Lady Holland e seu filho, antigo amante de Lady Caroline Lamb, foram retratadas de forma pouco lisonjeira.
Para completar, a autora era casada — e revelar esses romances extraconjugais no livro fez muito mal à sua reputação. Por tudo isso, embora a obra tenha sido um sucesso, Lady Caroline Lamb foi expulsa dos círculos sociais de sua época.
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Para terminar, uma obra tão polêmica que nem sequer foi finalizada — e estimulou o suicídio de uma das pessoas retratadas. O título refere-se a uma frase de Santa Teresa de Ávila: "Mais lágrimas são derramadas pelas súplicas atendidas do que pelas não atendidas".
A ideia do autor Truman Capote era discutir as interações entre classes sociais, com destaque para os podres de seus amigos da alta sociedade. Ele começou a escrever o livro nos anos 1960, mas nunca terminava — o que gerou dúvidas sobre sua capacidade de fazê-lo.
Então, Capote decidiu publicar alguns capítulos como contos na revista Esquire. Escândalos de várias socialites da época foram revelados, fazendo com que Capote fosse rechaçado por seus antigos amigos. Mas o pior foi o segundo capítulo, intitulado "La Côte Basque 1965".
Ele fala sobre uma mulher interesseira que se casa com um homem rico e o mata, fingindo que foi um acidente. O caso tinha claras conexões com um caso de 1955: a socialite Ann Woodward atirou em seu marido, William, e disse pensar que fosse um ladrão. Ela foi inocentada, mas logo após a publicação do conto, cometeu suicídio.
Mesmo depois de tanta polêmica, Capote continuou prometendo o livro completo, mas não o entregou até sua morte, em 1984. A versão incompleta foi publicada alguns anos depois.