Artes/cultura
17/08/2023 às 14:00•4 min de leitura
Em 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas tomou uma decisão: o Brasil se uniria aos Aliados para lutar na Segunda Guerra Mundial. A princípio, quando Adolf Hitler deu início ao seu Fall Weiss contra a Polônia, em setembro de 1939, o governo de Vargas preferiu manter uma política de neutralidade.
Uma vez que havia acabado de instaurar no Brasil um regime autoritário conhecido como Estado Novo, Vargas acreditava que manter a neutralidade poderia ajudar a evitar divisões internas e também a dar um certo grau de estabilidade política e econômica ao país. Afinal, a economia dependia fortemente das exportações de produtos como café, borracha e minérios.
O endosso da neutralidade foi reforçado ainda mais em questões políticas, sociais e econômicas depois que o Japão atacou Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941. O Brasil tinha fortes relações econômicas com países do Eixo e dos Aliados, bem como a sociedade brasileira estava extremamente dividida em relação à guerra. Tomar partido de alguma coalizão poderia causar uma ruptura interna complexa e controversa, gerando um conflito que Vargas não queria que acontecesse.
Getúlio Vargas. (Fonte: GettyImages/Reprodução)
Contudo, ficar em cima do muro passou a se tornar um problema para o político, sobretudo porque o Estado Novo flertava muito com o nazifascismo, tanto no campo econômico quanto ideológico e político. Ao enxergar isso, os Estados Unidos foram os responsáveis por pressionar diretamente Vargas a assumir algum lado na guerra, considerando fatores diplomáticos a curto e longo prazo, relações econômicas, interesses estratégicos, riscos à segurança nacional do Brasil e impacto nas relações.
A reação da sociedade brasileira foi diversa, especialmente aqueles mais alinhados com os valores democráticos e liberais, que viam o acordo com os Aliados como uma posição moralmente correta e uma forma de lutar contra o totalitarismo e a agressão das potências do Eixo. Esse não foi o caso dos japoneses e seus descendentes, que se preocuparam com sua segurança e bem-estar. E eles tinham todos os motivos, até porque não demorou para que eles fossem aprisionados em instalações como o campo de concentração de Tomé-Açu, na Amazônia.
(Fonte: Senado Federal/Reprodução)
Começou cedo o filme de terror dos mais de 200 mil japoneses que viviam ilegalmente no Brasil desde que o navio Kasato Maru aportou em São Paulo, em 18 de junho de 1908. Em janeiro de 1942, logo depois que Pearl Harbor foi atacado, Vargas instaurou a Lei do Daihonei, temendo possíveis ações de espionagem ou sabotagem por parte de pessoas de ascendência japonesa no Brasil. O decreto autorizava a prisão e o internamento de japoneses, estrangeiros de outros países inimigos ou aqueles considerados suspeitos de atividades prejudiciais à segurança nacional.
O aparato de repressão do governo Vargas fez de tudo para persegui-los. Muitos japoneses tiveram seus bens patrimoniais e monetários confiscados, foram impedidos de viajar, se reunir, privados do acesso à informação, seja por jornais ou transmissões de rádio, foram forçados a viverem em locais designados pelo Estado e até submetidos à esterilização forçada. Isso, inclusive, fazia parte das políticas de higienização racial promovida pelo governo, de modo a oprimi-los por meio do nacionalismo brasileiro.
(Fonte: Rede Pará/Reprodução)
Foi uma questão de tempo para que Vargas tivesse a ideia de estabelecer campos de concentração. Afinal, em 19 de fevereiro de 1942, o então presidente norte-americano Franklin Roosevelt já tomava essa medida ao assinar a chamada "Ordem Executiva 9066", que autorizava que comandantes militares indicassem áreas onde havia agrupamentos de habitantes japoneses para que fossem removidos de lá.
A ordem também autorizava a construção de centros de realocação para abrigar esses “páreas” da sociedade. Ao total, estima-se que aproximadamente 120 mil nipo-americanos foram encarcerados nos dez centros de concentração espalhados pelo interior dos EUA, longe da costa, impossibilitando ataques ou qualquer tipo de resgate pelas tropas japonesas.
O governo de Vargas começou seu projeto de campos de concentração a partir da colônia japonesa localizada às margens do rio Acará, no atual município de Tomé-Açu, a 200 quilômetros da capital Belém, no Pará.
(Fonte: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil/Reprodução)
Foi no início da década de 1930 que um grupo de imigrantes japoneses se estabeleceu na região, por meio da Companhia Nipônica de Plantação (Nantaku), que dispunha de terras em Tomé-Açu. A escolha do local foi influenciada também pelas condições climáticas e oportunidades econômicas, sendo que a agricultura e a pesca foram as atividades mais importantes para o desenvolvimento daquela pequena comunidade. Não é para menos que a expansão se deu em muito devido à consolidação da Cooperativa Agrícola do Acará, em 1935.
A comunidade, composta por 49 famílias agricultoras, se manteve firme à cultura, às tradições e à língua, apesar da necessidade de se adaptar à realidade de um país estrangeiro. Vargas se aproveitou disso e do fato que eles estavam isolados do mundo, em sua maioria alheios ao que acontecia no Japão, e que o acesso ao local era restrito aos meios fluviais.
Com isso, em 17 de abril de 1942, por meio de uma declaração de caducidade, os japoneses perderam o direito aos seus bens e a vila do rio Acará foi desmantelada e sitiada pela força militar de Vargas para dar início às obras do Campo de Concentração de Tomé-Açu. Todos da comunidade foram rotulados “prisioneiros de guerra”, com a imprensa passando a denominá-los “quinta coluna”, um termo utilizado em contexto de guerra para designar espiões, traidores e sabotadores a serviço de um país inimigo. Muitos japoneses foram recolhidos do Amazonas e Manaus, inclusive os dirigentes da Companhia Industrial Amazonense.
A organização da instalação de Tomé-Açu foi praticamente igual àquela assumida pela Autoridade de Realocação de Guerra (WRA) nos EUA, estruturando o campo como uma verdadeira cidade murada. Não havia celas, mas tudo o que havia no perímetro isolado, do hospital às casas, foi subordinado ao poder do Estado e era vigiado por um destacamento militar, sob a administração do capitão João Evangelista Filho.
(Fonte: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil/Reprodução)
As pessoas trazidas de fora do campo foram realocadas em barracas ou improvisaram casas durante o período em que foram confinadas. As mesmas diretrizes aplicadas na cidade valiam para Tomé-Açu. Os prisioneiros eram proibidos de se comunicarem uns com os outros, podendo ser penalizados com espancamento e até morte.
O trabalho existia apenas para a manutenção e subsistência do próprio campo, seguindo à risca normas de trabalhos braçais estipuladas pelo governo. Por motivos de racionamento elétrico, o toque de recolher soava todos os dias às 21h, e nem uma lamparina poderia permanecer acesa.
Assim como as demais instalações, o campo de concentração de Tomé-Açu durou até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, mas esse foi apenas o início do problema para os imigrantes que passaram anos aprisionados. Estigmatizados e empobrecidos, eles não conseguiram voltar para sua terra natal. Muitos perderam para sempre a comunicação com familiares e também tiveram dificuldade para conseguir empregos ou até mesmo construir o próprio negócio. Como resultado, a maioria recorreu às condições precárias da vida agrícola para conseguir sobreviver.
Em momento algum o governo se responsabilizou por desmontar a vida dessas pessoas, tampouco tentou torná-la mais fácil, muito pelo contrário. Apesar do fim da guerra, a sociedade continuou culpando os japoneses e os imigrantes no geral por todo o caos que aconteceu, por isso foram ofendidos, perseguidos e, por vezes, espancados nas ruas.
O aparato do governo de Vargas fez um bom trabalho em sumir com os registros históricos e fotográficos desse período obscuro. Apesar da imprecisão dos números, estima-se que, durante os três anos de operação do campo de concentração de Tomé-Açu, cerca de 480 famílias de japoneses, 32 de alemães e alguns italianos, foram parar na instalação.
Fora isso, nada mais se sabe. Tudo o que restou são as memórias preservadas pelos familiares daqueles que testemunharam na pele o horror daqueles anos.