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23/05/2024 às 08:00•2 min de leituraAtualizado em 23/05/2024 às 08:00
No outono de 1385, Ólafur, um pescador islandês, tentou caçar uma baleia-azul na costa da Islândia. Seu encontro foi registrado por Jón Guðmundsson, um poeta do século XVII, que descreveu as baleias-azuis como seres protetores e sagrados para os islandeses. Esses animais eram importantes para os islandeses medievais não apenas por mitos, mas como uma significativa fonte de alimento. Uma baleia-azul podia fornecer 60 toneladas de carne, uma quantidade vital numa economia baseada principalmente na criação de ovelhas.
Apesar do valor das baleias, a caça não era sempre bem-sucedida como a história de Ólafur demonstra. Apesar de ter conseguido ferir o cetáceo, o animal conseguiu escapar e apareceu morto algum tempo depois na Groenlândia, onde foi consumido por viajantes famintos. Mas o registro é um dos inúmeros materiais que a historiadora ambiental Vicki Szabo tem investigado. Nas últimas três décadas, ela procura entender melhor as interações entre islandeses e baleias, examinando textos nórdicos que combinam fatos científicos com elementos sobrenaturais.
Até o início dos anos 2000, os registros arqueológicos eram limitados porque o processamento das baleias na costa resultavam em poucos ossos preservados. Isso levou os especialistas a considerar as baleias um “recurso invisível”. Os registros sobre a caça medieval indicam que ela era focada em espécies menores e mais manejáveis, e a hipótese de que os islandeses caçavam baleias-azuis, as maiores de todas, levantava muitas questões.
Szabo e sua equipe, composta por arqueólogos, historiadores, folcloristas e geneticistas, começaram a utilizar novas técnicas científicas para entender melhor essa caça. Análises de DNA e espectroscopia de ossos antigos revelaram que, de fato, metade dos ossos de baleia encontrados em sítios arqueológicos islandeses pertenciam a baleias-azuis. Isso indicava que os islandeses caçavam esses animais regularmente, uma prática incomum entre as culturas baleeiras tradicionais.
As sagas islandesas e outros textos mostram que as baleias eram essenciais para os islandeses. Haviam leis detalhadas sobre a divisão das baleias encalhadas e as lanças dos caçadores continham emblemas para que pudesse ser identificado quem foi responsável pelo abate. Em diversas sagas é possível verificar o drama de reivindicar baleias encalhadas, o que reforça a importância econômica dessas criaturas.
No entanto, só na década de 2000, com a análise avançada de DNA e espectroscopia, Szabo pôde confirmar a predominância das baleias-azuis nos ossos analisados. Isso surpreendeu os pesquisadores, pois essas baleias vivem em mar aberto e tendem a afundar quando morrem. O tamanho e o comportamento das baleias-azuis, e a dificuldade de transportar o corpo até a costa, tornam a caça e o processamento extremamente desafiadores.
A descoberta de ossos de baleia em sítios como Hafnir, na Península de Skagi, forneceu mais evidências de que os islandeses caçavam essas enormes criaturas. A escavação revelou grandes quantidades de ossos trabalhados, sugerindo uma caça ativa e organizada. As condições climáticas e a geografia também influenciaram essa prática, com as baleias-azuis possivelmente vivendo mais perto da costa durante o período medieval devido a mudanças climáticas e menor pressão de caça.
A caça industrial de baleias, iniciada pelos noruegueses no final do século 19, dizimou a população de baleias-azuis, alterando seu comportamento e distribuição. Antes dessa caça industrial, as baleias-azuis eram mais abundantes e frequentemente encontradas perto da costa islandesa, facilitando a caça pelos vikings. As histórias de caçadores como Ólafur refletem essa realidade, mostrando que os islandeses tinham uma relação complexa e significativa com as baleias-azuis, combinando sobrevivência com uma rica tradição cultural.