Ciência
24/05/2024 às 18:00•3 min de leituraAtualizado em 24/05/2024 às 18:00
Considerando sua fundação celta no século III a.C., a cidade de Paris tem mais de 2 mil anos de uma história que a colocou no epicentro de relevância mundial ao longo do tempo. De quando se tornou a capital do Império Romano no século I, sob o comando de Júlio César, até todas as revoluções e movimentos sociais que moldaram a França, da Revolução Francesa à Comuna de Paris.
A arquitetura de Paris se tornou uma manifestação de sua histórica cultura por tudo o que já passou pela cidade e por todos os que já se inspiraram nela. Há história desde a Catedral de Notre-Dame, no coração da cidade, até os bairros históricos, como o Marais, um dos distritos mais cosmopolitas e elegantes de Paris.
O Condor Ferries estima que a capital francesa recebe mais de 30 milhões de turistas por ano, em sua maioria atraídos pelo ar histórico e romântico que a cidade inspira. Portanto, é perturbador imaginar que por muito pouco a arquitetura de Paris quase foi destruída pelo arquiteto Corbusier e seu Plan Voisin de 1927.
Paris é conhecida por suas transformações ao longo dos séculos, e a década de 1920 pode ser considerada um dos pontos de virada mais relevantes da contemporaneidade. Até porque estamos falando de como o movimento modernista começou a influenciar na estética e funcionalidade da cidade com suas ideias sobre urbanismo, planejamento urbano e estilo arquitetônico.
Afinal, foi nesse período que a capital francesa atingiu seu pico populacional de 2,9 milhões de habitantes, resultando em uma impressionante densidade populacional de 69 mil pessoas por quilômetro quadrado, tendo sua área total expandida dos 78 km² que possuía até 1860 para 86,9 km² na década de 1920. A devastação deixada pelo pós-guerra da Primeira Guerra Mundial foi considerada a oportunidade perfeita para não só revitalizar Paris como a reconfigurar e a modernizar.
Foi aí que entrou Charles-Édouard Jeanneret-Gris, o famoso Le Corbusier. O arquiteto e urbanista suíço-francês era um renomado e influente especialista do movimento modernista arquitetônico. O homem ficou famoso por suas ideias revolucionárias sobre urbanismo e design, sobretudo por sua obsessão pelo funcionalismo – para o bem ou para o mal, segundo os críticos de seu trabalho.
Le Corbusier escolheu Paris para propor um novo projeto urbano porque desde a fundação da cidade, nunca houve um plano urbano, portanto, seu crescimento ao longo dos séculos, sobretudo na década de 1920, resultou em uma cidade de ruas estreitas e sinuosas, padrões de construção variados e uma mistura complexa de usos do solo. Além disso, havia um insidioso problema daquela época que o perturbava: o tráfego.
Pensando em salvar a Cidade-Luz do “desastre industrial”, o arquiteto tinha em mente destruir vários quilômetros quadrados na margem direita do Rio Sena para estabelecer 18 arranha-céus de vidro. O seu Plan Voisin consistia em criar um espaço de vida e trabalho abrangente que refletiriam o "modo de vida do amanhã". Apresentar as casas não apenas como casas, mas como "máquinas para viver", ia muito além de um conceito estético, significava a funcionalidade necessária para uma vida ordenada em uma cidade que se transformava em uma metrópole.
Seu novo plano urbano acomodaria até 78 mil moradores em uma área de 260 hectares, formando uma enorme grade retangular, em que os edifícios seriam separados em zonas comerciais e residências conectadas por rodovias. Nesse espaço, os habitantes encontrariam cafés, restaurantes, escritórios, lojas, parques muito bem arborizados e até mesmo um aeroporto.
A utopia urbana totalmente funcional de Le Corbusier era a maneira que ele encontrou para afastar os parisienses da possibilidade de a capital francesa se tornar "o pesadelo" que era o centro de Nova York.
O arquiteto também visava impedir que o traçado urbano de Paris exacerbasse a segregação econômica que empurrava os habitantes mais pobres para a periferia cheia de doença, confinando pessoas em cubículos inabitáveis, com custos elevados de moradia, e causando uma pressão sobre a infraestrutura urbana da cidade.
Para isso, no entanto, era necessário derrubar uma quantidade enorme da história de Paris, como o bairro Marais, hoje considerado o lar da arquitetura e cultura mais interessantes e inspiradoras da cidade. Naquela época, porém, ele era apenas caracterizado por doenças e miséria.
Le Corbusier tentou fazer seu Plan Voisin acontecer de todas as formas por meio de uma divulgação implacável em revistas e exposições internacionais. No entanto, o governo parisiense rejeitou sua proposta, ficando do lado dos defensores do patrimônio que a arquitetura da cidade é.
Mas é possível dizer que o arquiteto perdeu apenas a batalha, não a guerra. Afinal, seu projeto plantou a semente para que outras cidades considerassem suas ideias radicais e dramáticas. Em 1965, foi construído o La Défense, um conjunto de arranha-céus corporativos de cerca de 53 metros de altura no coração de Paris, inspirado no Plan Voisin de Le Corbusier, uma sombra obscura em linha reta a partir do Arco do Triunfo.