Ciência
11/04/2024 às 08:00•2 min de leituraAtualizado em 11/04/2024 às 08:00
A queixa é recorrente em Portugal: no início do ano, uma postagem feita no X por uma página portuguesa com conteúdos anti-imigração denunciou que um sinal de trânsito na cidade Sintra continha uma proibição escrita em português brasileiro. Segundo os autores, o termo "trem", que é chamado de "comboio" em Portugal, “assassina a língua de Camões, que é o português europeu”.
Na verdade, o sinal nada tem de brasileiro, uma vez que a palavra “trem”, em Portugal, se refere também às carruagens puxadas por cavalos, que passeiam com turistas por Sintra. Contudo, é importante notar que existe um movimento contra o uso de vocabulários tipicamente brasileiros no país luso.
Essa onda de rejeição, movida por portugueses ditos "puristas" se dirige principalmente a conteúdos produzidos por youtubers e tiktokers brasileiros nas redes sociais. O incômodo fica claro em notícias e manchetes de jornais portugueses, denunciando um assédio cultural às crianças e jovens, ou "miúdos e putos", como se diz em Portugal.
A população de Portugal está dividida: alguns acham que a imprensa exagera e que, no fundo, há uma xenofobia disfarçada de preocupação com um possível "apagamento" da cultura do país. Mas para outros, é como se a popularidade de termos brasileiros "emporcalhasse a língua europeia”, avalia a linguista brasileira Jana Behling, doutorando na Universidade de Coimbra, em entrevista à BBC.
Falando também à emissora, o linguista português Fernando Venâncio, que estuda há décadas a questão, diz que essa indignação contra o aumento de traços importados d'além-mar nas terras de Camões não é novidade. “Desde finais dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, houve uma aquisição de brasileirismos gigantesca”, afirma o ensaísta.
Autor do livro O Português à Descoberta do Brasileiro, ele explica que isso ocorreu na época devido ao sucesso das novelas brasileiras em Portugal, e que o fenômeno atinge agora jovens que "veem cada vez mais youtubers brasileiros, às vezes, por muitas horas".
Professoras ouvidas pela BBC afirmaram que os pais de seus alunos têm reações diferentes. Enquanto alguns, mais tradicionais, corrigem seus filhos quando os ouvem dizer “palavras mais à brasileira”, outros são mais flexíveis e não se importam.
Para o linguista Xoán Lagares, professor da Universidade Federal Fluminense, essas diferenças apontadas em Portugal como erros ou deturpação do português não passam de preconceito em relação ao português do Brasil. Especialista em história social e cultural das línguas, ele reforça a ideia de que não existe uma versão mais correta da língua.
A professora de Linguística da Universidade de Coimbra, Graça Rio-Torto, vê todas essas construções e palavras brasileiras aprendidas pelos jovens de Portugal como um aprendizado positivo. “Essas palavras novas enriquecem o léxico dessas crianças e não há mal nenhum nisso”, conclui.