Ciência
01/07/2021 às 07:30•3 min de leitura
Há muitos anos cientistas, psicanalistas e neurocientistas estudam o cérebro e sua forma de funcionamento. Conforme Daniel Kahneman mostrou em seu livro Rápido e devagar: duas formas de pensar, o cérebro possui dois modos de funcionamento.
Um deles, denominado no livro de sistema 1 é o do pensamento intuitivo, que tira conclusões precipitadas baseada na emoção. Já o sistema 2 é o pensamento consciente, lógico e racional, que é normalmente acionado em tomadas de decisão ou quando há a necessidade de informações que não são tão óbvias e fáceis de serem encontradas.
Durante os processamentos cerebrais, nossa percepção pode nos pregar peças, com alguns vieses e distúrbios cognitivos. Um caso famoso que aconteceu há alguns anos foi o vestido que circulou na internet, colocando em dúvida se a cor da peça era azul e preto ou branco e dourado. Na época, cada pessoa via uma das duas opções e tentava defender porque aquele era o correto.
Em 2015, o vestido que muda de cor fez sucesso na internet. (Fonte: G1)
No caso, o que ocorreu foi uma distorção entre o que os olhos veem e o cérebro processa. Como os seres humanos evoluíram para ver a luz do dia, nosso cérebro leva em consideração que a luz muda de cor. Assim, entendemos que os objetos têm um tom com alta incidência luminosa e mudam de cor conforme a iluminação também varia.
Nesse processo, nosso cérebro tenta descontar esse efeito de luz, para encontrar a cor verdadeira. No exemplo citado, o vestido era azul com preto, mas algumas pessoas viam o azul e o cérebro ignorava isso, tentando realizar o “desconto” do efeito que a luz poderia ocasionar, nesse caso era gerado a cor branco e dourado. Esse fenômeno existe e é conhecido há milhares de anos, mas no caso do vestido as diferenças ocorreram em muitas pessoas, por isso, se tornou um viral.
Outro caso de ilusão que acontece devido à percepção do cérebro é a ilusão de Müller-Lyer. Ao ver a imagem, tendemos a acreditar que, por causa das diferenças dos ângulos das extremidades, os traços possuem tamanhos diferentes. Contudo, as linhas possuem o mesmo tamanho, mas a ilusão de ótica nos faz crer que são distintas.
Na ilusão de Müller-Lyerr, vemos três retas com o mesmo tamanho que aparentam tamanhos distintos. (Fonte: Wikipedia)
O efeito Thatcher foi criado em 1980 por Peter Thompson, professor de psicologia da Universidade de York. Na experiência, ele colocou duas fotografias idênticas de Margaret Thatcher e fez alterações na primeira imagem. Nela, olhos e boca foram invertidos.
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
Em um primeiro momento, quando visualizamos a imagem, é possível perceber que há algo diferente na primeira imagem, mas não identificamos facilmente até que viremos a cabeça ou a imagem seja invertida. Acredita-se que o que ocorre no efeito Thatcher seja devido aos módulos cognitivos psicológicos envolvidos na percepção facial, que são ajustados de maneira holística.
O estudo constatou que o cérebro não analisa as características de fisionomia de forma separada. Não analisamos o olho, o nariz e a boca de modo individual, analisamos isso em um conjunto. Pelo fato da imagem estar invertida, não processamos a informação facilmente, então aceitamos que a boca parece uma boca e o olho parece um olho, pois estão nas posições corretas. Mas, quando viramos a imagem, percebemos o quão estranha ela é.
Quando invertida, a imagem resultante é bem diferente da original. Mas o cérebro não a processou dessa maneira quando estava de cabeça para baixo. (Fonte: The Guardian/Reprodução)
É interessante destacar que o estudo observou vários ângulos intermediários e a ilusão foi observada por todos os grupos de pesquisa. Crianças observaram a ilusão, crianças com autismo também e até pessoas com prosopagnosia. Pessoas com essa condição não conseguem reconhecer feições.
Há evidências de que macaco rhesus e chimpanzés também experimentem o efeito Thatcher. Isso levanta a possibilidade de que alguns mecanismos cerebrais envolvidos no processamento de faces evoluíram em um ancestral com mais de 30 milhões de anos. Assim, a identificação dos rostos é bem importante para a evolução da espécie.
Depois do primeiro estudo, outras pesquisas foram realizadas revelando a psicologia do reconhecimento facial. Os estudos mostraram como as suposições que o cérebro faz sobre a configuração facial nos permitem discernir pequenas diferenças entre os rostos, que nos tornam únicos. Quando retiramos essas informações de configuração, como o caso da inversão, nos tornamos menos sensíveis a perceber as variações exclusivas.