Artes/cultura
03/10/2022 às 13:31•2 min de leitura
Quando o reator quatro da Usina Nuclear de Chernobyl explodiu em 1986, foi liberada a maior quantidade de material radioativo no meio ambiente na história da humanidade. A alta radiação obrigou o governo soviético a isolar toda a região da usina e criar a Zona de Exclusão de Chernobyl — um perímetro onde os níveis de radiação são tão altos que ainda hoje podem causar riscos à quem se aproxima.
Por outro lado, 30 anos depois do acidente, a ausência de pessoas na região fez com que a região se tornasse uma gigante reserva natural. Hoje, o local está dominado por ursos, lobos, roedores, insetos, anfíbios e diversos outros animais. E uma espécie em particular chamou a atenção de dois pesquisadores da Universidade de Oviedo, na Espanha.
Germán Orizaola e Pablo Burraco estavam cientes dos danos da radiação à vida, assim como do aumento de espécies de animais e vegetais em Chernobyl. Analisando a região, a dupla percebeu a presença de uma espécie de rã, com diversos indivíduos com uma coloração escura, quase preta.
Os pesquisadores perceberam haver uma coisa diferente ali, porque esses anfíbios costumam ser verdes. Mesmo quando ocorre alguma variação, ela costuma apenas deixar o tom de verde um pouco mais escuro. Mas as rãs com a tonalidade que eles encontraram costumam ser bastante raras na natureza.
Entre 2016 e 2019, eles coletaram mais de 200 rãs em 12 viveiros diferentes. A dupla dividiu a região de Chernobyl para ter um amplo gradiente de contaminação radioativa. Eles incluíam algumas das áreas mais radioativas do planeta, além de quatro locais fora da Zona de Exclusão de Chernobyl que serviam como controle.
O resultado revelou que as rã capturadas nas áreas com maior radioatividade possuíam uma coloração muito mais escura do que aquelas capturadas em áreas de controle fora da Zona de Exclusão. Mas o mais interessante é que a coloração não está relacionada com os níveis de radiação que as rãs experimentam atualmente. Ela é típica dos animais de dentro ou perto das áreas mais contaminadas no momento do acidente.
Assim com nos humanos, a melanina é responsável pela cor escura das rãs. Ela também funciona como uma barreira de proteção que ajuda a reduzir os efeitos negativos da radiação ultravioleta, e seu papel protetor também pode se estender à radiação ionizante. De maneira bem resumida, a melanina consegue absorver e dissipar parte da energia da radiação, além de eliminar e neutralizar moléculas ionizadas dentro da célula. A consequência disso é que indivíduos expostos à radiação podem sofrer menos danos celulares com a proteção da melanina, aumentando suas chances de sobrevivência.
O que Orizaola e Burraco acreditam é que as rãs de Chernobyl podem ter sofrido um processo de rápida evolução em resposta à radiação. Eles acreditam que os animais com coloração mais escura no momento do acidente teriam sido favorecidos pela ação protetora da melanina. Mais de dez gerações de rãs se passaram desde o acidente e um processo muito rápido de seleção natural pode explicar por que as rãs escuras são agora o tipo dominante para as espécies dentro da Zona de Exclusão de Chernobyl.