Mistérios
25/01/2023 às 08:00•3 min de leitura
Desde o século XX que cultivamos a ideia de um futuro altamente modernizado, em que aconteceriam as especulações feitas por Mary Shelley ainda em 1818 sobre a dominação das máquinas sobre a humanidade.
Esse delírio com a possibilidade foi chamado, em alguns casos, de retrofuturismo, que propôs que o mundo seria dominado por carros voadores, armas de raio, cidades flutuantes, e um estilo de vida global belo e engenhoso — o que adiciona, ainda mais, um tom utópico para a coisa.
Bem pouco disso chegou a acontecer – e não exatamente da maneira que os soviéticos, por exemplo, imaginavam que seria antes do início da década de 1920.
Em meio a isso que surgiu a ideia: como seria o mundo sem estradas?
(Fonte: Reader's Digest/Reprodução)
O mundo tem cerca de 64 milhões de quilômetros apenas em estradas, entre regiões pavimentadas e não pavimentadas. Sua existência é uma resposta direta à globalização e o crescimento populacional do planeta, contribuindo de maneira crucial para o desenvolvimento econômico que traz benefícios sociais importantes para qualquer nação – sobretudo na luta contra a pobreza.
O antigo provérbio “Todos os caminhos levam à Roma” – que hoje pode ser interpretado como “todas as escolhas levam ao mesmo resultado” –, documentado pela primeira vez por Geoffrey Chaucer em 1391, faz referência literal à engenhosidade única e altamente tecnológica do sistema de estradas do Império Romano.
As estradas foram fundamentais para o movimento terrestre de exércitos, funcionários, civis e o transporte de comunicações oficiais e mercadorias. Elas foram construídas em vários tipos, de pequenas e locais até rodovias largas e de longa distância feitas para conectar cidades, grandes vilas e bases militares.
Com o passar dos séculos e o aumento da população mundial, as estradas acabaram se tornando um problema. Em 1863, quando Londres inaugurou a primeira linha de metrô do mundo, a iniciativa queria desafogar um pouco o tráfego da cidade que crescia cada vez mais com a industrialização.
(Fonte: Wikipedia/Reprodução)
A princípio, apenas considerado um atalho não muito popular, visto que os trens eram movidos a vapor, o metrô ganhou o gosto público com a modernização de seus meios, principalmente na transição para a eletricidade. Rapidamente, ele se tornou influente entre os pedestres e uma grande atração turística, principalmente por transportar pessoas pela cidade com rapidez e eficiência sem que ninguém visse.
A ideia de algo subterrâneo, segundo o geógrafo cultural Bradley Garrett, da Universidade de Dublin, dá a ilusão de perfeição. “Há quase algo mágico nisso”, disse ele. Entre os trens, linhas de alta tensão, tubulações, cabos e esgotos, as estradas estão entre um dos desejos da sociedade.
(Fonte: Newsweek/Reprodução)
Em um futuro em que a sustentabilidade é a aposta principal para que os humanos possam continuar vivendo em harmonia com o planeta, as estradas não parecem se encaixar. Isso porque essas tiras de asfalto que cruzam cidades, países, espaços verdes e ecossistemas não só transformam a vida cotidiana mais caótica quanto altera de maneira irreversível a paisagem.
Pelo caminhar do desenvolvimento, é previsto que as estradas cresçam ainda mais, cerca de 25 milhões de quilômetros até 2050, à medida que a população mundial aumenta, o que significa que mais carros dominarão as ruas. Estima-se que até 2040 haja dois bilhões de automóveis circulando pelo mundo, com níveis totais de tráfego aumentando em mais de 50%.
Existe o compromisso de muitas nações entrarem em neutralidade na emissão de carbono até lá, mas a ideia de que as estradas vão parar de crescer não está nem um pouco à vista. Isso pode garantir a dra. Niamh Collard, autora da pesquisa “Estradas e a política do pensamento: abordagens etnográficas para o desenvolvimento de infraestrutura no sul da Ásia”.
“O domínio das estradas e a compreensível aspiração à mobilidade que elas inspiram permanecem tão fortes como sempre”, disse ela ao SOAS University of London.
(Fonte: Discover Magazine/Reprodução)
Em um mundo ideal, a realocação das estradas para o subterrâneo resultaria em mais espaço, ou seja, mais terra para agricultura e renaturalização, ajudando a aumentar a vida selvagem e extrair carbono do ar.
Grandes extensões verdes significam maior absorção de água, muito diferente do concreto não pérvio, fornecendo proteção contra inundações. Em um cenário em que a crise climática aumenta, as árvores poderiam reduzir as temperaturas em até 40% durante o dia, uma realidade utópica para o momento – e para futuro, pelo visto.
A iniciativa da cidade de Boston, nos EUA, em transformar a Insterstate 93, principal estrada no coração da cidade, em um túnel com 5,6 quilômetros –, criou mais de 121 hectares de terra aberta. O Big Dig, como foi chamado o megaprojeto, conectou mais a população em um espaço verde com fontes, exposições de arte e festivais de música.
Além disso, o benefício de um mundo sem estradas, fora diminuir a barreira física da segregação social, também forneceria mais espaço para moradias. Em 2021, um relatório que analisou os impactos do fechamento de rodovias em Seattle descobriu que poderia religar os bairros e oferecer espaço para 0,44 milhão de metros quadrados de casas.
Triste é saber que isso em grande escala é uma realidade cada vez mais utópica.