Ciência
19/12/2021 às 09:00•3 min de leitura
A Grande Esfinge de Gizé é um dos símbolos mais marcantes do Egito Antigo, uma das civilizações mais antigas e duradouras do mundo todo. Mas assim como acontece com outros monumentos daquela época, ela tem um detalhe marcante: seu nariz foi completamente destruído.
Por anos, acreditava-se que isso havia sido o resultado do inevitável desgaste da obra, uma vez que as partes mais proeminentes seriam as primeiras a sofrer com a ação do tempo. Entretanto, como essa poderia ser a resposta se diversas estátuas com representação em baixo-relevo também tiveram o nariz destruído? Eis o que foi descoberto a respeito do assunto.
(Fonte: Getty Images/BBC)
Por algum tempo, e algo que ainda é recorrente, foi levantada a hipótese de que a destruição dos narizes das esculturas egípcias havia sido feita por colonialistas europeus que almejavam apagar as raízes africanas dos antigos egípcios. Entretanto, essa é uma teoria bastante refutada pelos pesquisadores, que afirmam não ter fundamento para o ato.
Entre um dos motivos para tal, os narizes não seriam os únicos elementos físicos dessas origens — logo, não seriam os únicos elementos destruídos se esse fosse o caso. Para a grande maioria, a resposta mais confiável para o tema seria uma só: a iconoclastia, ou “quebra de imagens”.
(Fonte: Museu Metropolitano de Arte/Divulgação)
Ao contrário do que aconteceu no século VIII, quando um movimento deu início a destruição de imagens sagradas e perseguição de quem as venerava, o que aconteceu no Egito Antigo foi um tanto diferente. Nesse caso, a ideia estava mais ligada ao sentido mais amplo da palavra, na crença social de que seria importante destruir ícones e outras imagens, ou monumentos por motivos religiosos, ou políticos.
E essa é uma teoria bastante forte quando consideramos que as estátuas eram o ponto de conexão entre o divino e o terreno para os antigos egípcios e que para eles esses monumentos carregavam até mesmo poderes sobrenaturais. Naquela época, acreditava-se que os deuses poderiam assumir o corpo das estátuas por meio de rituais.
Ao mesmo tempo, esse ritual poderia ser revertido através de danos deliberados. Sendo assim, essa seria uma medida frequente para reverter esse processo ou evitar que algo a mais acontecesse.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Depredar monumentos era um ato comum de vingança, raiva e ressentimento. Poderia ser feito por ladrões de túmulos com medo da vingança do defunto ou por governantes rigorosos que desejavam reescrever a cultura. Um exemplo disso aconteceu quando Akhenaton, que governou entre 1353 e 1336 a.C., quis que a sociedade egípcia focasse o deus solar Aton.
Para isso, ele teria que enfrentar a ira do deus Amon — um dos deuses mais misteriosos e nefastos da mitologia egípcia, cujo nome que significa “O Oculto”, “O Invisível” — e sua arma de destruição seria acabar com todos os monumentos que representassem sua figura. Em geral, as mutilações tinham como objetivo restringir o poder da figura representada na estátua ou em baixo-relevo na parede. E isso poderia ser feito de diferentes maneiras.
(Fonte: Getty Images/BBC)
Se a pessoa quisesse impedir que os humanos pudessem realizar oferendas para um deus, era comum que as estátuas tivessem o braço esquerdo removido — membro usado para realizar o trabalho. Por outro lado, orelhas poderiam ser retiradas por aqueles que não desejavam ser ouvidos pelas divindades.
Caso o objetivo fosse acabar com qualquer método de comunicação entre os dois mundos, a melhor solução seria separar a cabeça do corpo de uma estátua. Mas por que o nariz era visto como um ponto crucial? Essa parte do corpo representava a fonte de fôlego, ou fluxo da vida. Portanto, se quiséssemos matar o espírito interior de um monumento, poderíamos sufocá-lo removendo o nariz com um simples golpe de martelo e cinzel.
Dito isso, conseguimos notar um enorme culto às imagens no Egito Antigo e como essas mutilações apresentam um panorama sobre as mudanças culturais, religiosas e políticas daquela época.