Ciência
07/01/2022 às 11:00•3 min de leitura
Você já ouviu falar dos “dentes de Waterloo”? Esta é uma história que remonta ao século XIX, quando a Odontologia ainda engatinhava e os altos consumos de açúcar causavam índices alarmantes de cáries na população europeia. Naquela época, os dentistas acharam uma solução criativa para resolver a grande demanda por dentaduras: os chamados “dentes de Waterloo”.
O nome se remete à origem dessa história. Após o encerramento da Batalha de Waterloo (aquele famoso confronto em que Napoleão Bonaparte foi derrotado), em 1815, os ladrões, os saqueadores e até os soldados sobreviventes começaram a arrancar os dentes dos soldados que haviam morrido. Esses dentes eram então levados até os dentistas, que tinham a tarefa de limpá-los, tirar a raiz e fabricar dentaduras um tanto bizarras.
Conforme explicado em uma matéria da BBC, essas dentaduras “humanas” se tornaram famosas porque eram consideradas mais confortáveis e realistas do que as feitas com porcelana ou marfim, tirados dos hipopótamos e elefantes. Até hoje, não se tem certeza se os usuários dessas dentaduras sabiam que a matéria-prima delas vinha de pessoas mortas.
(Fonte: BBC)
Um dos aspectos mais interessantes acerca da história dos “dentes de Waterloo” é que eles servem como documento sobre de que maneira a Odontologia evoluiu ao longo dos séculos. Segundo Rachel Bairsto, curadora do Museu Britânico da Odontologia por 10 anos, os dentistas recebiam os “materiais”, ou seja, os dentes dos mortos, que eram normalmente vendidos por ladrões de túmulo, mas não se preocupavam muito com a sua origem.
A própria noção do que era um dentista, na verdade, precisa ser problematizada nesse caso, tendo em vista de que a profissão ainda não existia oficialmente. No século XIX, a Odontologia não era ainda de fato uma ciência médica, e muitos profissionais faziam trabalhos dentários — como os ferreiros, os profissionais que trabalhavam com marfim e até mesmo os joalheiros.
(Fonte: BBC)
A história do comércio de dentes, como os surgidos após a Batalha de Waterloo, também dá um bom testemunho sobre as diferenças abissais que existiam (e ainda existem) entre classes sociais. Isso porque, por mais que a saúde bucal de todos não fosse boa, eram apenas os ricos que tinham condições de colocar dentes falsos.
Alguns registros dessa compra de dentes são anteriores à famosa batalha. Um anúncio de 1792, por exemplo, clama pela venda de dentes humanos para repor os perdidos nas bocas dos britânicos abastados.
Além disso, há um cartum de 1787, de autoria de Thomas Rowland, representando os ricos arrancando os dentes dos pobres. Há, inclusive, dados que mostram que os dentes eram retirados de escravos e de crianças pequenas para serem vendidos.
(Fonte: BBC)
Após a Batalha de Waterloo, mais de 10 mil soldados mortos tiveram seus dentes extirpados. A consequência foi a grande oferta de dentes no mercado, o que fez o valor das dentaduras “reais” cair, possibilitando que a classe média também pudesse adquiri-las.
(Fonte: Bristol Live)
Se você achou bizarra a história dos dentes dos soldados mortos de Waterloo, saiba que ela não é a única. Na verdade, os nossos ancestrais sofreram muito com a precariedade do conhecimento odontológico de outras épocas. Se você vivesse no século XVIII ou XIX e tivesse uma dor de dente, é bastante provável que tivesse que ir até o barbeiro para arrancá-lo.
O problema ia além do sofrimento em si — afinal, ferreiros e barbeiros não tinham qualquer treinamento para a tarefa — e também envolvia o alto risco de infecções. Alguns pacientes, inclusive, morriam por conta desses procedimentos. Fugir da dor também não dava certo: depois que o láudano (medicamento que misturava vinho, ópio, açafrão, canela e cravo) passou a ser usado para amortecer os sentidos de quem fazia um tratamento dentário, alguns pacientes também morreram por conta do uso excessivo desse produto.
(Fonte: Mentalfloss)
Com o avanço da Odontologia, as dentaduras estão sendo cada vez menos usadas. Isso porque as técnicas modernas para tratamento dos dentes e a prevenção de problemas fazem menos pessoas perderem a arcada dentária original.
Ainda assim, há uma curiosa história sobre as dentaduras criadas pelo homem. As primeiras registradas datam de 2.500 a.C. e eram feitas de dentes de animais. Já se documentou próteses elaboradas pelos antigos egípcios e etruscos, por exemplo.
Os materiais usados nas dentaduras também eram bem criativos — quando não inacreditáveis. Os japoneses, por exemplo, costumavam usar próteses feitas de madeira. Outros objetos e utensílios também documentados como substitutos de dentes são pedras, conchas, chumbo e, claro, o famoso ouro.