Artes/cultura
26/09/2023 às 03:00•2 min de leitura
A culinária italiana é uma das mais famosas do mundo — e muita dessa fama se deve a um único livro: La Scienza in Cucina e L’Arte di Mangiar Bene (A Ciência na Cozinha e a Arte de Comer Bem), publicado pela primeira vez em 1891 e escrito por Pellegrino Artusi.
Essa obra conseguiu organizar aquilo que no futuro entenderíamos como cozinha italiana, pois no seu ano de lançamento a própria Itália não conseguia definir o que era a sua culinária, uma vez que o país havia se unificado há cerca de apenas 20 anos.
Sendo assim, esse livro de receitas se tornou relevante para a formação da identidade do povo italiano, por meio de algo que eles gostavam (e ainda gostam): comer bem!
(Fonte: Reprodução: RUELLERUELLE / ALAMY)
(Fonte: Reprodução: A COLEÇÃO DE ARTE FOTOGRÁFICA / ALAMY & EPISGRAFISTA / DOMÍNIO PÚBLICO)
O autor do mais importante livro de receitas italiano não era um cozinheiro. Artusi era um homem rico que fez fortuna como comerciante de tecidos. Ao se aposentar, ele decidiu se dedicar às atividades que lhe traziam prazer, como a leitura e o estudo. Um de seus passatempos prediletos era assistir a palestras nas universidades, o outro era pesquisar receitas.
A coleção era tão grande que seus amigos o incentivaram a organizá-las em um livro. Artusi fez isso aos 71 anos, mas nenhuma editora se interessou pelo projeto. Ainda assim, ele acreditava que a obra tinha que ser publicada e bancou inteiramente a primeira edição. O livro foi um sucesso de vendas, tornando-se um símbolo da gastronomia da Itália.
São muitos os elementos que fazem do livro La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene um sucesso. O primeiro deles é o momento histórico da Itália. Na ocasião da publicação dessa obra, a Itália era um país com apenas 20 anos. Antes disso, aquela região era formada por estados independentes, cada um deles com uma cultura e dialetos próprios.
Artusi escreveu em italiano, língua que era ensinada nas escolas como idioma do país desde a unificação e que, anteriormente, era apenas o dialeto da região da cidade de Siena. Além disso, as receitas tinham origens variadas, o que fazia com que os leitores se sentissem representados, ao mesmo tempo que descobriam novos sabores do país.
A unificação da Itália ajudou as pessoas a vencerem a pobreza. A classe média cresceu, mais pessoas sabiam ler e queriam comer bem. Essa mudança socioeconômica também favoreceu a obra. E para ajudar, o livro não era para chefes de cozinha, sem ser técnico, nem mesmo científico, como o título sugeria. A linguagem acessível também foi importante para popularizá-lo.
“Quem frequenta restaurantes poderá formar uma ideia da grande variedade dos gostos das pessoas. Com exceção dos devoradores, que tal como lobos não são capazes de distinguir entre, por exemplo, um bolo de marzipã e um prato de espinafres, você ouvirá às vezes um prato ser endeusado por alguns, por outros será tido como medíocre, e por algumas pessoas ainda, será até mesmo considerado péssimo, rejeitado”, opina Artusi em seu livro.
Artusi era um homem curioso, que valorizava as outras culturas. Em seu livro, há uma receita de cuscuz, cuja origem é o Oriente Médio. Ele também agradece a amigos judeus por terem lhe apresentado aos sabores da berinjela e da erva-doce, hoje amplamente considerados ingredientes cruciais na culinária italiana.
Tudo isso levanta um debate que pode irritar os italianos: o de que a sua culinária tem origem, ou pelo menos inspiração, em diversas receitas e ingredientes estrangeiros. Artusi morreu em 1911. Nesse ano, seu livro já havia sido atualizado, contando com mais de 900 receitas.