Ciência
02/11/2023 às 04:30•3 min de leitura
Doar para universidades brasileiras têm sido uma prática desafiadora, apesar do potencial de impacto positivo que isso pode ter na educação superior do país. Várias razões contribuem para essa dificuldade, sejam entraves legais, a falta de uma cultura de doação e, até mesmo, uma discussão sobre a moral e a razão das doações.
Atualmente é mais fácil fazer doação de bens móveis ou imóveis, do que de dinheiro para universidades brasileiras. (Fonte: GettyImages/Reprodução)
Uma das principais dificuldades de doar para universidades públicas no Brasil é entender a legislação sobre o tema — ou a falta dela. Como a maioria das universidades são federais ou estaduais, elas ficam sujeitas às normas do Governo Federal. Uma regra que afetou as instituições foi a Emenda Constitucional 241/95. Instaurada em 2016, ela impôs um teto dos gastos públicos, ou seja, o crescimento dos gastos do governo ficou limitado à variação da inflação. Na prática, isso impede que as universidades federais e estaduais possam aceitar algumas doações, já que a verba passa a incorporar o orçamento da instituição, que agora tem limites.
Em 2019, a Lei 13.490/2017 foi promulgada para tentar facilitar as doações. Com ela foi permitido que as doações fossem direcionadas a setores ou projetos específicos das instituições beneficiárias. Essa lei modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, que impedia a alocação direta de recursos de doações para áreas específicas das universidades.
Esta medida, porém, também gera algumas críticas, já que a destinação da verba não seria feita pela Universidade. Na prática, os doadores privados poderiam investir apenas em projetos que lhe interessassem, até em termos de conseguir retorno financeiro futuro. Isso põe em cheque a razão de uma educação para todos.
Outra barreira para a doação nas universidades brasileiras é a complexidade dos processos. Muitas vezes, os interessados em contribuir enfrentam burocracia e dificuldades ao tentar fazer doações. Simplificar e agilizar os procedimentos para doações poderia ser uma maneira eficaz de encorajar as pessoas a contribuir.
Atualmente, as universidades lutam para conseguir que a legislação avance no sentido de permitir as doações, mas também para conseguir um controle maior sobre a verba. Isso garantiria que áreas do saber de menor interesse financeiro não ficassem sem recursos.
(Fonte: Getty Images / Reprodução)
No momento, as doações de bens móveis, imóveis e de consumo são mais comuns e menos complicadas. Com isso, muitos filantropos chegam a doar até mesmo imóveis que podem ser incorporados ao patrimônio das Universidades.
Outro modo de doação que tem ganhado apoiadores e tentativas de instauração no Brasil são os endowments. Nessa modalidade, o dinheiro doado seria investido no mercado financeiro e apenas os rendimentos gerados seriam utilizados para apoiar iniciativas da universidade. Isso garantiria que o fundo fosse perene e que seu lucro fosse usado por longo período na instituição.
(Fonte: Getty Images / Reprodução)
A questão das doações também recaí sobre um problema ideológico. Parte da população têm a percepção de que a educação pública é um dever somente do Estado e, portanto, não veem a necessidade de contribuir com instituições de ensino. Isso contrasta com países onde as universidades dependem muito mais de doações e têm uma cultura forte de contribuições, e até de incentivos fiscais para quem doa.
Muitas das críticas dirigidas à dificuldade de fazer doações no Brasil apontam para os Estados Unidos como um sistema a ser copiado. Por outro lado, esta cultura de doações pode ser bastante problemática.
Uma das questões é que por lá as doações, muitas vezes, geram corrupção. Em 2019, um grande esquema de facilitação de entrada de alunos nas mais renomadas universidades foi revelado. Celebridades do cinema, grandes empresários e qualquer um com muito dinheiro conseguia colocar seus filhos na universidade que quisesse, mediante, é claro, a grandes doações. Isto também coloca em xeque o processo de admissão das universidades dos EUA, que deveria procurar os “melhores candidatos”.
Além disso, a entrada na universidade é bem diferente. As principais universidades são mantidas, majoritariamente, com fundos privados, muitas vezes abastecidos por doações. Além disso, as taxas de admissão (tuition) são exorbitantes, afastando a maioria das pessoas ou, pelo menos, fazendo-as contrair grandes dívidas para terminarem o Ensino Superior. Segundo a Forbes, no final de 2022, 43 milhões de americanos ainda detinham dívidas estudantis totalizando US$ 1,7 trilhões.
Manter um sistema de educação pública com a qualidade que as universidades brasileiras têm é um trabalho hercúleo. Porém, olhar para novas maneiras de financiar as instituições pode impedir que elas fiquem paradas no tempo.