Ciência
21/06/2024 às 14:00•3 min de leituraAtualizado em 21/06/2024 às 14:00
Você já ouviu falar do pajubá? Pois saiba que essa língua já foi até tema de questão do Enem em 2018. Trata-se uma linguagem específica compartilhada entre os membros da comunidade LGBTQIAPN+, e que assim podem fazer uso de expressões que as pessoas "de fora" nem sempre compreendem.
O mais interessante é que o pajubá tem uma origem bastante rica, misturando palavras do português com termos com origem africana no nagô e no iorubá, além de apropriações linguísticas vindas de vários lugares.
O pajubá (às vezes chamado também de bajubá) tem sido frequentemente estudado pela academia. O professor da UFOB Carlos Henrique Lucas Lima, que é autor do livro Linguagens pajubeyras: re(ex)sistência cultural e subversão da heteronormatividade, explicou assim à revista Superinteressante: trata-se de um “repertório vocabular e performativo de certa parcela da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais)”.
Os termos usados nessa linguagem surgem nos dialetos nagô e iorubá, falados em países da África Ocidental, e que chegaram ao Brasil por meio de africanos escravizados. Uma característica interessante do pajubá é que ele é relativamente compartilhado entre pessoas de todo o país, com poucas variações regionais.
Dentre as características do pajubá, estão, além do uso de palavras africanas (como "aqué" para dinheiro ou "erê" para criança), a criação de gírias com nomes femininos e que até fazem referências a mulheres importantes da comunidade queer. "Dar a Elza", por exemplo, significa roubar, e "Irene" indica uma pessoa mais velha.
Outro fato bem curioso é que há até um dicionário de pajubá, e que foi nomeado de forma debochada: ele se chama "A Dicionária da Língua Afiada", foi escrito por Angelo Vip e Fred Libi e conta com 1.300 verbetes usados dentro do universo gay.
Uma questão talvez possível aqui, e que certamente é uma dúvida entre algumas pessoas, é a razão pela qual a comunidade queer compartilha um dialeto específico. O pesquisador Carlos Henrique Lucas Lima afirma que o pajubá possui uma função importante: a de criar uma identidade comunitária entre os membros desse grupo.
Os termos e expressões compartilhados nessa língua também servem para posicionar a luta da comunidade, atacando questões morais e visões conservadoras. "Há no pajubá uma infinidade de palavras e expressões para se referir ao sexo e, de modo mais específico, ao sexo não heterossexual, como 'fazer a chuca' e 'acuendar a neca', que significam, respectivamente, realizar uma limpeza anal e acomodar/ esconder o pênis", lembra o pesquisador.
Flip Couto e Neon Cunha, dois nomes importantes dentro da comunidade LGBTQIA+, afirmam que o pajubá se apresentou ao longo do tempo não apenas como uma forma de resistência (a partir do uso de termos que só os membros entendiam), mas também de existência. “Essa comunidade criou ferramentas para, através da linguagem, criar um senso de pertencimento. É um campo para dizer que é nosso. A gente pode conversar sobre o que quiser no metrô, no ônibus, na rua e vamos nos entender. É criar um mundo dentro do mundo”, explicou Couto em revista à revista Trip.
Esta visão é reforçada pela professora Silvana Nascimento, do departamento de Antropologia da USP, que destaca a importância de um dialeto para a criação de uma noção de cultura compartilhada. "De um lado, pode ser usado como proteção por meio de inspirações das religiões de matriz africana, que são uma das poucas que incluem pessoas trans e travestis sem julgamentos morais ou preconceitos. De outro, é uma forma de afirmação identitária entre coletivos que são continuamente marginalizados e violentados", afirmou em entrevista concedida para a Trip.