Ciência
20/04/2018 às 13:50•4 min de leitura
Você se lembra do enredo do filme “Cruzada”, de Ridley Scott, que foi lançado em 2005? Um dos personagens do longa é Balduíno IV, Rei de Jerusalém, uma figura que, no decorrer da trama, aparece vestindo roupas que cobrem completamente seu corpo e uma máscara de ferro que oculta seu rosto — desfigurados pela lepra.
Lembra desse filme? (Den of Geek)
Pois esse cara existiu na vida real e, ao contrário do que vemos no filme, existem registros que sugerem que Balduíno não escondia a sua condição de ninguém, não. Outra coisa importante a se ter em conta é que ele ocupou uma posição extremamente importante — afinal, ele se tornou Rei de Jerusalém, uma terra que já era disputada por cristãos e muçulmanos — em uma época em que não só a lepra não tinha cura, como os doentes eram superestigmatizados. Portanto, Balduíno deve ter sido alguém com uma personalidade e uma força extraordinárias.
Balduíno nasceu em Jerusalém em 1161 e era um dos filhos do Rei Amalrico I, da casa Anjou, uma família de nobres de origem francesa que teve grande influência durante a Idade Média e participou ativamente nas Cruzadas e no estabelecimento dos estados cristãos na Terra Santa. Até onde se sabe, Balduíno começou a mostrar os primeiros sinais de ter a doença quando tinha por volta de 9 anos de idade e notou enquanto brincava com os amigos que não percebia o toque nem sentia dor no braço direito — mesmo quando a pele era beliscada.
Coroação de Balduíno IV (Wikimedia Commons/Domínio Público 1)
O diagnóstico foi feito em seguida, e Balduíno, na verdade, foi beneficiado por ser filho do Rei. Naquela época, a lepra não tinha cura e, de modo geral, representava uma sentença de morte — lenta e solitária para quem sofria da doença. Se não fosse príncipe (e se Amalrico fosse do mal, como muitos monarcas que existiram na História), Balduíno teria sido condenado a viver em uma colônia para leprosos e moribundos.
Uma das muitas ilustrações que retratam as batalhas pela Terra Santa (Wikimedia Commons/Domínio Público 2)
No entanto — e para a surpresa dos muçulmanos que habitavam na região de Jerusalém —, o príncipe não só permaneceu na corte, como cresceu como qualquer jovem. Balduíno foi bem educado e, desde cedo, demonstrou ser muito inteligente e também foi treinado nas artes da guerra. Aliás, mesmo doente de lepra, dizem que ele era um excelente cavaleiro. Então, em 1174, quando Balduíno tinha apenas 13 anos de idade, seu pai, Amalrico, morreu, e ele foi coroado.
O Primeiro Reino de Jerusalém foi estabelecido em 1099, após o fim da Primeira Cruzada, e Balduíno subiu ao trono apenas 75 anos depois de os franceses terem conquistado o controle da Terra Santa. Assim que foi coroado, Balduíno viu seu reino ameaçado por Saladino, um poderoso sultão cuja influência se estendia do Egito à Síria.
Antiga ilustração mostrando Saladino (Wikimedia Commons/Domínio Público 3)
No início, como era jovem demais para reinar, o garoto foi auxiliado por Raimundo III, Conde de Trípoli, que atuou como regente até 1176. Entretanto, depois de assumir o seu papel como rei, como sua saúde continuava se deteriorando, Balduíno era obrigado a apontar diferentes regentes periodicamente, e essa situação deu origem a desequilíbrios e brigas pelo poder — que, por sua vez, contribuíram para desestabilizar a posição do rei.
Contudo, ainda que com essas dificuldades todas, enquanto pôde Balduíno manteve sua posição e lutou com todas as forças para evitar que Saladino conquistasse Jerusalém, inclusive indo para as linhas de frente com seu exército. Um de seus feitos mais impressionantes aconteceu no final de 1177, quando o sultão iniciou uma marcha do Egito a Ascalão — um dos condados que faziam parte do Reino de Jerusalém — com o propósito de atacar a localidade.
Balduíno IV retratado liderando suas tropas (Wikimedia Commons/Charles Philippe Auguste de Larivière/Domínio Público)
Segundo registros históricos, apesar de Balduíno e seus exércitos ficarem encurralados — e, de acordo com as lendas, ele somente conseguir segurar as rédeas de seu cavalo com uma das mãos —, o Rei liderou seus soldados e, com a ajuda das tropas de Reinaldo de Châtillon (uma figura controversa da época) e dos Cavaleiros Templários, conquistou uma vitória surpreendente sobre Saladino próximo a Montgisard.
A vitória em Montgisard rendeu uma trégua de 2 anos entre Balduíno e Saladino em 1180, mas, assim que o período estabelecido terminou, o sultão voltou ao ataque. Devido a seus problemas de saúde, Balduíno acabou não deixando herdeiros e, com a deterioração de seu estado e a ameaça dos muçulmanos se intensificando, começaram as tensões para definir quem seria seu sucessor.
Cena do filme "Cruzada", de Ridley Scott (Film Takeout)
Então, em junho de 1183, Saladino capturou Aleppo, completando o cerco a Jerusalém. Balduíno ainda chegou a liderar mais uma batalha — carregado em uma maca —, mas, no fim, o Rei reconheceu que já não havia mais sentido em continuar lutando. Assim, em uma tentativa de manter alguém da família no trono, Balduíno abdicou e corou seu sobrinho, Balduíno V, filho de sua irmã Sibila com Guy de Lusignan, em novembro de 1183, nomeando Raimundo de Tripoli e Joscelino III de Edessa como guardiões do menino.
Saladino, no filme "Cruzada" (Sam Gerrans)
Balduíno IV, o Rei Leproso, morreu em 1185, com apenas 24 anos de idade, e Saladino teria guardado luto em respeito ao rapaz. Balduíno V morreu menos de 1 ano depois, e Sibila e Guy assumiram o trono. Mas, após uma série de campanhas malsucedidas contra as tropas de Saladino, a maior parte do Reino de Jerusalém acabou caindo nas mãos do sultão em 1187.
***
Apesar dos pesares, em vez de Balduíno IV ser condenado ao ostracismo, ser desprezado por seu povo e se render por causa de sua terrível doença, ele liderou exércitos e venceu batalhas contra inimigos mais numerosos e incrivelmente poderosos, demonstrando uma bravura e uma força de vontade que acabaram por conquistar o respeito de todos. Seu reinado foi breve, mas sua personalidade e bravura garantiram que seu nome ficasse marcado na História.
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