Ciência
18/08/2021 às 13:00•3 min de leitura
Com o advento da crise sanitária da covid-19, o sistema de saúde dos Estados Unidos, oriundo de um dos países mais ricos do planeta, tornou-se alvo de questionamentos e dúvidas por parte da população, que ainda busca entender as motivações para que a indústria não desponte como referência universal e não lidere os índices em relação à eficiência na vida dos norte-americanos, mesmo movimentando cerca de US$ 4 trilhões por ano (dados de 2020).
Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos não contam com um sistema único de saúde, mas sim com uma série de programas independentes, regulados de forma autônoma pelas 50 unidades federativas e patrocinados pelo mercado. Esse cenário descentralizado, então, criou uma concorrência interna no país de um serviço que, em tese, deveria ser considerado um bem público, com grande parte das autoridades sendo motivadas politicamente para reter insumos e evitar o compartilhamento de informações ou recursos.
Nos últimos dois anos, os Estados Unidos viram o desemprego atingir cerca de 5,4 milhões de pessoas, forçando-as a abdicar de seus planos de saúde em detrimento de necessidades consideradas urgentes, como moradia e alimentação. No total, segundo o censo realizado em 2018, esses índices se somaram a outros 27 milhões de cidadãos sem qualquer tipo de plano de saúde e a outros 60 milhões “subsegurados”, designação utilizada para quem tem acesso extremamente limitado a serviços hospitalares.
O alto custo de saúde nos EUA mostra-se como um problema a ser combatido com necessidade extrema, pois prova a incompatibilidade na oferta dos serviços com o salário líquido recebido por trabalhadores, que mesmo tendo aumentado nos últimos anos, não conseguiu acompanhar proporcionalmente o aumento de taxas administrativas.
Na primeira metade da última década, uma cirurgia de apêndice, tida como um dos processos cirúrgicos mais simples, custava impressionantes US$ 55 mil, algo em torno de R$ 296 mil em conversão direta. Desse valor, cerca de 80% era custeado pelo próprio plano de saúde, enquanto os 20% restantes vinham do próprio bolso do paciente, com casos do mesmo segmento chegando a uma porcentagem de 40%, já incluindo taxas de estadia hospitalar, insumos e aluguel de máquinas.
(Fonte: Investopedia/Reprodução)
O difícil acesso ao direito fundamental, mesmo com aproximadamente um quinto de seu PIB direcionado para cuidados de saúde, repercute diretamente na expectativa e condições de vida dos norte-americanos, que hoje alcançam uma média máxima de 78,6 anos — pior que a de outros 10 países de alta renda, de acordo com estudo do Journal of the American Medical Association (JAMA) — e são diagnosticados com uma elevada carga de doenças crônicas como diabetes, obesidade e tuberculose, 28% superior em relação a qualquer outra democracia ocidental, segundo o Commonwealth Fund.
O plano de saúde privado pode prestar um papel fundamental para o assistencialismo global, mas vem com uma série de desvantagens que podem ser ampliadas caso sejam geridas errônea ou equivocadamente. Em um país com forte influência da indústria privada, há impactos diretos em praticamente todas as áreas médicas, desde os gastos com manutenção hospitalar até os preços de remédios.
Antes de oficializar os planos públicos em 1980, a Austrália possuía seguro privado, que passou anos fornecendo as melhores condições de atendimento no país, mas em meio a sacrifícios. Assim, essa prática foi abolida para comprovar que a saúde não seria negociável por políticos e que o acesso deveria ser proporcionado de forma irrestrita e universal.
Porém, os Estados Unidos hoje amargam uma série de fatores externos que exigem altas taxas e custos nos planos privados. Cerca de 8% dos dólares da saúde vão para despesas administrativas, estando relacionadas a ofertas de uma série de níveis de cobertura que trabalham individualmente em um mesmo conjunto, ou seja, sofrendo regulamentos específicos sobre uso, codificação e faturamento.
(Fonte: On Health/Reprodução)
A pouca regulação de medicamentos também é agregada no valor dos planos e, em média, os norte-americanos desembolsam cerca de quatro vezes mais por medicamentos farmacêuticos do que os cidadãos de outros países industrializados. Em comparação com países europeus, onde os remédios são regulamentados de acordo com seu uso e custam aproximadamente US$ 749 anuais (cerca de R$ 4 mil), nos EUA esse valor sobe para US$ 1.443 por pessoa (em torno de R$ 7,7 mil), já que cada um dos medicamentos é negociado diretamente com os fabricantes.
As vantagens desse sistema de saúde, segundo pesquisadores da área, seriam a tecnologia de ponta, que reúne esforços bilionários para acelerar as indústrias de inovação, ciência, diagnóstico, remédios e vacinas. Enquanto autoridades apostam nessa revolução como uma estratégia válida, muitos consideram que apressar processos é apenas o primeiro passo para as falhas, funcionando como um método arriscado justificado pela injeção de dinheiro e capital intelectual.
(Fonte: Contemporary Pediatrics/Reprodução)
A cobertura e alcance da saúde tornam-se insuficientes, caso não seja levada de forma adequada a quem precisa ou não seja tratada como “direito humano”. Independente do sistema ser público ou privado, todos tiveram que passar por reformas e buscar adaptações que visem o bem-estar social e mais do que isso: o acesso universal.
“Essa é a essência da cobertura universal de saúde”, disse Hong-Jen Chang, ex-diretor da NHIA que criou o programa de saúde rural em Taiwan, com a proposta de levar médicos e especialistas a regiões montanhosas. “O princípio da saúde [como] direito humano é que todos, independentemente da geografia, religião, gênero, idade, devem ter o direito ao acesso”.