Aporofobia: o ódio aos pobres refletido na arquitetura urbana

10/01/2022 às 10:003 min de leitura

As formas de preconceito contra as pessoas mais desfavorecidas são inúmeras, e elas podem se manifestar de modos que a gente nem imagina. A aporofobia (que vem significa medo ou rejeição à pobreza ou a pessoas pobres) aparece, por exemplo, na arquitetura das cidades — nos pisos pontudos que impedem os moradores em situação de rua de dormir em certos locais, por exemplo.

O termo, que foi criado pela filósofa espanhola Adela Cortina, surgiu da junção de duas palavras gregas: áporos, que significa "pobre" ou "esamparado", e fobia, que significa "medo, rejeição ou ódio". Por isso, aporofobia significa literalmente ter aversão ou ódio aos pobres.

O termo ganhou popularidade depois que o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua em São Paulo, fez uma campanha virtual em que divulgava várias iniciativas que explicitavam a aporofobia de certos locais em São Paulo. A partir desta divulgação, o padre começou a receber imagens vindas de todo o país que denunciavam a mesma situação.

As imagens divulgadas nas redes sociais do padre repercutiram bastante. Em todos os exemplos, a arquitetura “antipobres” tem algo em comum: ela nos faz deparar com cenários pelos quais já passamos diversas vezes e provavelmente não nos demos conta de qual é a função de tal solução arquitetônica ou, pior, pode ser que tenhamos presenciado tais lugares e achado normal que certas estruturas tenham sido construídas para “espantar” as pessoas pobres.

Em 2021, viralizaram imagens em que o padre Júlio Lancelotti destruía estacas de pedra cravadas em um local onde pessoas em situação de rua costumavam dormir. (Fonte: Rede Brasil Atual)Em 2021, viralizaram imagens em que o padre Júlio Lancelotti destruía estacas de pedra cravadas em um local onde pessoas em situação de rua costumavam dormir. (Fonte: Rede Brasil Atual)

Em entrevista à BBC, o padre Júlio Lancelotti disse ter recebido mensagens de apoio depois de divulgar as imagens, mas também teve retorno de pessoas que o atacaram. "Alguns não conseguem entender que eu não quero que as pessoas fiquem ao relento ou embaixo dos viadutos e marquises. Esses indivíduos estão mais preocupados com hostilidades e oferecem menos acolhimento", ele falou ao portal.

Imagens de uma arquitetura hostil

A arquitetura planejada para evitar a permanência de pessoas pobres pode ter várias facetas. O caso mais comum talvez seja o da colocação de obstáculos no solo, como embaixo dos viadutos, para evitar que pessoas durmam nesses locais, mas há outros cenários em que a aporofobia se manifesta.

Um exemplo de aporofobia: espetos cravados na entrada de uma igreja em Campinas. (Fonte: Agência de Notícias das Favelas)Um exemplo de aporofobia: espetos cravados na entrada de uma igreja em Campinas. (Fonte: Agência de Notícias das Favelas)

Há imagens de bancos com divisórias (que evitam que as pessoas se deitem neles), calçadas que permanecem o tempo todo molhadas, vasos que impedem os transeuntes de ficarem embaixo de marquise, além de iniciativas perigosas, como a instalação de ganchos e grades que podem machucar.

Nem sempre a colocação desses acessórios é ilegal, mas além de eles causarem riscos, vale lembrar que esse tipo de arquitetura não sugere nenhuma solução à questão da pobreza — apenas empurra o problema para outros lugares, de forma cruel.

Por que a aporofobia é nociva às pessoas?

Em novembro de 2021, um projeto de lei foi aprovado em São Paulo proibindo o uso de técnicas de construção hostil no espaço público e privado. A lei foi batizada com o nome do padre Júlio Lancellotti. Ainda que ele seja responsável pela popularização dessa palavra, algumas pessoas costumam questionar a iniciativa dele — o religioso, inclusive, já chegou a destruir instalações urbanas que explicitam a aporofobia arquitetônica.

O questionamento muitas vezes colocado a ele diz respeito à ideia de ele defender que os pobres permaneçam nesses locais. No entanto, essa é uma leitura errônea. O próprio trabalho do padre feito na Pastoral do Povo da Rua mostra o esforço dele no acolhimento dessas pessoas e a transferência delas para lugares dignos. Porém, as ações contra a aporofobia buscam denunciar que há, sim, nas nossas cidades, a presença do ódio às pessoas pobres e que esse sentimento também se manifesta na forma como as casas e os edifícios são projetados ou reformados.

Por isso, quem coloca esse tipo de arquitetura em seu estabelecimento não está preocupado em lutar por políticas públicas para a melhoria de vida dessa população, e sim quer apenas ficar longe do problema. E esse é o tipo de postura que precisa ser repensada se quisermos garantir uma vida mais digna a todos nós, inclusive àqueles que estão em situação de rua.

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