Artes/cultura
14/09/2022 às 08:00•3 min de leitura
A cachaça — bebida alcoólica gerada a partir da fermentação da cana de açúcar — é provavelmente a mais tradicional bebida brasileira. Mas saiba que este orgulho nacional tem uma história complexa, com partes ainda não totalmente esclarecidas. É esta história que contamos agora.
(Fonte: EBC)
Ao contrário de outras bebidas, a cachaça já nasceu marginalizada: ela foi inventada no Brasil por pessoas escravizadas nos engenhos de açúcar durante o século XVI. Seria, portanto, uma bebida sem status, consumida apenas por pobres - a elite preferia tomar vinhos e a bagaceira (aguardente produzida com o bagaço da uva).
Há três possíveis origens da produção da bebida no país: ela pode ter surgido em Pernambuco, entre 1516 e 1526; em Porto Seguro, na Bahia, em 1520; ou no litoral de São Paulo, entre 1532 e 1534, no Engenho do Governador.
Quando a produção da cachaça foi se espalhando, tornando-se a bebida alcoólica mais consumida no Brasil colonial, a Corte Portuguesa resolveu proibir sua venda e consumo. A alegação era que a bebida causava ameaças à segurança e à ordem, fazendo os trabalhadores renderem menos. Em São Paulo, no ano de 1847, a Câmara Municipal criou uma lei que mandava prender quem vendesse cachaça.
Mas os historiadores contam que o motivo da "desordem" era apenas aparente. O que a metrópole não queria é que se aumentasse o consumo de cachaça entre a classe média, o que ameaçaria o comércio da bagaceira, que vinha de Portugal.
Mas as proibições jamais conseguiram acabar com o consumo da bebida. A saída da Corte Portuguesa foi tentar taxar a venda da cachaça, para poder lucrar em cima. Mas também não tiveram sucesso, uma vez que havia muita sonegação.
Um fato importante é que as medidas de taxação da cachaça contribuíram imensamente com o descontentamento da colônia contra o poderio de Portugal, motivando os ideais independentes que dariam impulso à Conjuração Mineira. Como era vista como símbolo de resistência e de luta por independência, a cachaça era servida nas reuniões dos inconfidentes.
(Fonte: Aventuras na História)
O sucesso comercial da cachaça se relacionou à expansão da produção de açúcar no Brasil e na possibilidade de exportar a bebida. Isto porque, diferente da cerveja e do vinho, que estragava em viagens longas para outros continentes, o transporte de destilados, com alto teor de álcool, era mais propenso às exportações.
No fim do século XVII, o Brasil perde a exclusividade na produção de açúcar, que começa a ser produzido também na América Central. Quem controlava esta indústria eram os holandeses que haviam sido expulsos do litoral de Pernambuco. Só que o açúcar produzido lá tinha menos qualidade, o que contribuiu para o desenvolvimento de uma nova bebida: o rum.
Esta crise no açúcar brasileiro fez com que as usinas fossem adequadas para produzir cachaça para exportação. Estima-se que entre 1710 e 1830, cerca de 310 mil litros de cachaça foram enviados para Luanda, capital de Angola. 25% deste volume serviu como moeda de troca por pessoas escravizadas.
(Fonte: Cachaçaria dos Amigos)
Ainda assim, a cachaça continuou sendo enquadrada como uma bebida de baixa qualidade, e que se associava aos brasileiros (considerados inferiores) e não aos europeus.
A revalorização da cachaça esteve diretamente ligada à Semana de Arte de 1922, movimento que buscou fazer um retorno às raízes brasileiras. A bebida passou então a ser enaltecida como um símbolo da cultura nacional. Mario de Andrade, inclusive, publicou um estudo chamado Os Eufemismos da Cachaça.
O caminho da bebida seria, gradativamente, ganhar uma maior legitimidade como elemento fundamental da cultura brasileira. Um marco desta história é o decreto promulgado em 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que define "caipirinha" como a bebida típica brasileira, exclusivamente elaborada com cachaça, limão e açúcar, e delimita cachaça como "denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume". O decreto ajuda a estabelecer critérios para fabricação e comercialização da bebida, além de confirmá-la oficialmente como produto brasileiro.