Artes/cultura
24/03/2023 às 06:32•3 min de leitura
Enquanto alguns países da América do Sul, como a Argentina, ficaram famosos por se tornarem o principal refúgio de muitos comandantes e membros do alto escalão do Partido Nazista quando a Segunda Guerra Mundial acabou, o governo dos Estados Unidos foi atrás de algo que, de fato, poderia ser reutilizado: mão de obra intelectual.
Ou seja, engenheiros, técnicos e cientistas alemães que contribuíram para erguer toda a estrutura do nazismo, desde o funcionamento dos campos de concentração, passando pelo desenvolvimento de armas químicas e biológicas, até os planos mirabolantes de Adolf Hitler em destruir a arquitetura de Berlim para dar espaço para sua Germânia.
Enquanto o "reinado" de Hitler acabou em Berlim, em 8 de maio de 1945, no que foi batizado "V-E Day", o Dia da Vitória na Europa, em 20 de julho do mesmo ano começou sob máxima discrição a infame Operação Paperclip, organizada pelo governo norte-americano.
(Fonte: Altrogiornale/Reprodução)
Quando Hitler caiu, o mundo sabia que era uma questão de tempo para que a guerra terminasse e o problema voltasse a ser o inimigo número um dos americanos: os soviéticos. Por isso as movimentações começaram ainda durante a guerra, enquanto os EUA confrontavam no teatro bélico a nação japonesa. Indiretamente, Werner Osenberg foi crucial para que a Operação Paperclip se tornasse real para os norte-americanos.
Dois anos antes, Osenberg, membro devoto do Terceiro Reich, ficou encarregado de reunir uma lista minuciosa com as melhores e mais brilhantes mentes científicas que a Alemanha tinha a oferecer para que o Partido Nazista pudesse empregá-los diretamente, concedendo-lhes instalações de pesquisa e teste.
O trabalho de Osenberg foi considerado primoroso e ele entregou ao partido uma lista que não deixava nenhuma mente de fora. De fato, a Alemanha nazista detinha muitos dos melhores e não é para menos que a inteligência americana temia cada movimento, que costumava estar à frente quase sempre no cenário tático e estratégico da guerra. Assim nasceu a Lista de Osenberg.
(Fonte: Aish/Reprodução)
Quando os Aliados começaram a invadir a Alemanha, os apoiadores e colaboradores do nazismo destruíram muitos documentos para tentar encobrir sua relação com o regime, inclusive professores da Universidade de Bonn, interceptados por soldados aliados quando despejavam os documentos contendo a Lista de Osenberg no vaso sanitário. Essa manobra deixou claro o tipo valioso de informação que havia naquela lista.
Se, a princípio, houve hesitação no que fazer com aquelas mentes brilhantes, o início da Guerra Fria evaporou com qualquer dúvida à medida que a União Soviética se tornava uma "ameaça" mais ativa para os EUA.
Cerca de 2 mil cientistas receberam ordens de empacotar suas coisas e seguir para a estação de trem mais próxima na Alemanha dividida pelos americanos e soviéticos. Essas pessoas foram reassentadas em zonas americanas recém-designadas, onde foram mantidos em prisão domiciliar.
(Fonte: History/Reprodução)
Muito embora a “ameaça vermelha” tenha sido a desculpa para a Operação Paperclip, a busca por potencial e vantagem tecnológica foi o primeiro objetivo interessante para os EUA, visto que a frente do Pacífico ainda estava ativa e recrutar cientistas nazistas altamente inteligentes parecia uma boa maneira de aumentar as chances do país encerrar vitorioso a guerra.
Além de que, trazer os cientistas para os EUA deu às autoridades americanas a desculpa perfeita para ficar de olho neles em vez de ficarem soltos e acabarem em "mãos erradas". No entanto, isso não diminuiu em nada a controvérsia da operação, sobretudo, porque muitos foram parar na NASA e em outros cargos importantes do governo.
Isso aconteceu porque suas raízes de participação ativa no nazismo foram maquiadas ou até mesmo apagadas pelas mentes por trás da Operação Paperclip, visto que o então presidente dos EUA, Harry Truman, deu ordens específicas para não permitirem a entrada de nazistas que eram membros da SS ou receberam prêmios do Partido Nazista. Os cientistas, portanto, tiveram seus registros criminais apagados ou alterados para torná-los meras cobaias do nazismo e poderem dedicar sua inteligência aos americanos.
(Fonte: Smithsonian Magazine/Reprodução)
O nome da operação surgiu exatamente por essa manobra. Cada vez que determinado cientista apresentava um caso de envolvimento mais difícil, um clipe de papel era anexado aos seus registros – um sinal secreto de que esse arquivo não seria mostrado aos superiores.
Nunca houve nenhum tipo de punição ou esquecimento para esses cientistas depois que os períodos bélicos do século XX foram encerrados, muito pelo contrário, alguns deles se tornaram ícones norte-americanos, como o médico nazista Theodor Benzinger, que sustentou um obituário brilhante no The New York Times – que deixou de fora sua participação ativa nos campos de concentração e experimentos durante o Holocausto.
Em 1979, o Escritório de Investigações Especiais do Departamento de Justiça (OSI) foi formado para investigar casos relacionados aos nazistas e seus crimes de guerra. Apesar de apenas um cientista ter sido processado pela OSI, mais de 100 deles foram deportados e desnaturalizados.
O grupo redigiu um relatório de 600 páginas expondo o apoio do governo americano. O Departamento de Justiça tentou ocultar, mas o documento acabou vazando toda a sordidez e condescendência americana ao público em 2010.