Ciência
22/08/2023 às 10:00•2 min de leitura
Cientistas presenciaram e gravaram o surgimento de um novo sotaque na Antártica. Foi notado que a população rotativa de pesquisadores, que ficam meses nas estações de pesquisa no continente gelado, desenvolveu um modo de falar comum, embora quase imperceptível.
Sem população nativa, a Antártica é composta por uma comunidade de estudiosos e equipes de apoio, sempre em constante movimento e troca populacional. O auge ocorre no verão, quando até cinco mil pessoas moram por lá. Esse número cai para apenas mil durante o inverno. Esse cenário de condições extremas oferece uma oportunidade única para estudar os vários aspectos do comportamento sociolinguístico humano.
Um estudo da Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, analisou 11 pessoas trabalhando na região durante o inverno de 2019. Foram oito pessoas do Reino Unido (de diversas regiões do país), uma da Alemanha, uma dos Estados Unidos e uma da Islândia.
Os habitantes temporários tiveram as vozes gravadas a cada intervalo de tempo. Além disso, eles trabalhavam em áreas próximas, socializando normalmente entre si, mas evitando o contato externo. Com isso, os pesquisadores notaram mudanças muito sutis em seus sotaques.
Uma das transformações mais notáveis foi a pronúncia de palavras com vogais mais longas. Ao final da estadia, eles começaram a pronunciar sons "ou", como nas palavras "flow" e "disco", da frente da boca, em contraposição à parte de trás da garganta. Ainda que as mudanças fossem discretas, elas foram mensuráveis foneticamente e até mesmo previstas por meio de um modelo computacional.
Jonathan Harrington, autor do estudo e professor de fonética e processamento de fala, explicou que, embora o novo dialeto antártico não fosse plenamente perceptível, podia ser avaliado de forma fonética. Ele caracterizou o dialeto como uma combinação de traços de dialetos falados durante os invernos anteriores na Antártica, além de elementos inovadores de linguagem.
Isolamento rotativo das equipes de pesquisa favorece o surgimento do sotaque antártico. (Foto: Pixabay)
A pesquisa também revelou que o contato próximo e o isolamento proporcionam condições ideais para o desenvolvimento acelerado de um novo dialeto. Os invernos antárticos, cada um com seu próprio sotaque regional, começaram a influenciar-se mutuamente, resultando em transformações sutis na fala e no comportamento dos indivíduos.
Esse fenômeno é análogo à própria evolução de sotaques “no mundo real”, como a mudança do português de Portugal para o português brasileiro, devido ao contato e à influência social, por exemplo.
Esse estudo levanta a questão de que novos dialetos possam emergir em resposta à introdução de seres humanos em novos ambientes sociais. Um exemplo hipotético é a eventual evolução de um dialeto marciano, caso astronautas se envolvam em uma missão a Marte.
Harrington sugeriu que, quando um grupo é isolado, os indivíduos podem desenvolver um novo modo de falar influenciado pelas características dialetais dos presentes, como observado na Antártica. Será que gerações futuras presenciarão o surgimento de uma nova língua completamente diferente dos terráqueos?