Ciência
07/06/2021 às 10:01•3 min de leitura
Os últimos dias 31 de maio e 1º de junho marcaram o centenário de um dos episódios mais violentos, e vergonhosos, da longa segregação racial nos Estados Unidos. Trata-se do chamado “massacre racial de Tulsa”, quando uma multidão de supremacistas brancos invadiu o distrito de Greenwood daquela cidade do estado de Oklahoma, e demoliu uma próspera comunidade empresarial de negros.
Uma sobrevivente da chacina esteve no mês passado (19) na Câmara dos Deputados em Washington, para falar desse ataque terrorista claramente violento e preconceituoso. Aos 107 anos de idade, Viola Fletcher descreveu o massacre para os congressistas.
Viola Fletcher (Fonte: Jim Watson/Getty Images/Reprodução)
“Ainda vejo homens negros sendo baleados, corpos negros deitados na rua. Ainda sinto o cheiro de fumaça e vejo fogo. Ainda vejo lojas de negros sendo queimadas. Ainda ouço aviões sobrevoando. Eu ouço os gritos. Eu vivi o massacre todos os dias”, falou a idosa, tentando descrever a violência que, durante 18 horas, saqueou, destruiu e incendiou mais de mil casas e estabelecimentos comerciais.
Quando Viola vai ao Capitólio pedir, 100 anos depois, que o país reconheça o que aconteceu em Tulsa, é porque um governo de supremacia teve sucesso em esconder o episódio dos livros escolares. Em 2019, quando a série Watchmen, mostrou a chacina em um dos seus episódios iniciais, milhares de tuítes foram enviados à HBO por pessoas afirmando não ter a menor ideia do que era aquele massacre.
No início da década de 1920, Tulsa era uma cidade próspera, com mais de 100 mil habitantes. A descoberta de poços de petróleo na região transformou em milionários muitos moradores brancos, e acabou enriquecendo também alguns negros que eram proprietários de terras.
Embora fosse uma época de grande violência racial, com linchamentos pela Ku Klux Klan e leis rígidas de segregação, a população negra, que vivia ao norte dos trilhos da estrada de ferro que cortava a cidade, se organizou no distrito de Greenwood, onde diversos comerciantes e empreendedores negros construíram uma das mais bem-sucedidas comunidades de afro-americanos após a abolição da escravatura.
Fonte: Tulsa Historical Society & Museum/Reprodução
Apelidada de “Wall Street Negra”, o local logo atraiu a maioria dos 10 mil negros de Tulsa. O animado bairro possuía dois jornais, diversas igrejas, uma biblioteca e vários estabelecimentos comerciais, todos comandados por negros. Em seus 40 quarteirões, existiam hotéis, restaurantes, joalherias e cerca de 200 pequenas lojas (farmácias, armarinhos, lavanderias, barbearias e salões de beleza), e um cinema.
Falando à BBC News Brasil no ano passado, a diretora de programação do centro cultural de Greenwood, Mechelle Brown, explicou que as casas elegantes do bairro eram habitadas por médicos, dentistas, advogados entre outros. Entre os habitantes famosos, A. C. Jackson era o melhor cirurgião negro do país, e Simon Berry, um piloto que tinha seu próprio avião e era dono de um serviço de transportes.
O autor do livro Morte na terra prometida: o tumulto racial de Tulsa de 1921, Scott Ellsworth, explicou à BBC que o estopim do massacre em Greenwood foi um episódio ocorrido no dia 30 de maio de 1921, quando um engraxate negro chamado Dick Rowland, de 19 anos, pegou o elevador no Drexel Building, único prédio que possuía banheiro para pessoas "de cor".
Quando entrou no elevador, a ascensorista, uma jovem branca chamada Sarah Page deu um grito. Conforme Ellsworth, a explicação mais comum é que Rowland havia pisado no pé dela. Foi o que bastou para que o rapaz fosse preso e acusado de tentativa de estupro. No mesmo dia, o jornal Tulsa Tribune publicou um editorial intitulado "Negro será linchado esta noite".
Fonte: Universal HIstory Archive/Universal Images Group via Getty Images
Como era de se esperar, uma multidão de brancos acorreu à cadeia, mas o xerife não entregou o prisioneiro. Sabendo disso, dezenas de homens negros de Greenwood, veteranos da Primeira Guerra Mundial, foram para o local também armados para ajudar a proteger Rowland, mas a ajuda foi recusada pelo xerife.
Segundo Ellsworth, "quando os negros estavam indo embora, um homem branco tentou desarmar um veterano negro, e um tiro foi disparado. O tumulto começou". Inconformados por não terem conseguido linchar Rowland, centenas de brancos armados começaram a atirar aleatoriamente na população negra e queimar casas. As autoridades decidiram proteger bairros brancos, que não estavam sob ataque.
Já na madrugada do dia 1º, milhares de pessoas rumaram para Greenwood. Com ajuda de uma metralhadora e de aviões, houve pilhagens e centenas de pessoas morreram. Quando a guarda nacional chegou a Tulsa, às 9h15, a comunidade já havia sido totalmente destruída.