De 1900 até hoje: a história das bruxas nos filmes e seu impacto social

04/11/2021 às 12:004 min de leitura

Nos últimos anos, a bruxaria nos cinemas vem ganhando novas abordagens por parte de estúdios e criadores, que passaram a apostar em cenários psicológicos e humanos para explorar um dos seres mais relevantes da história audiovisual.

De 1900 até hoje, as bruxas passaram por uma série de estereótipos e abordagens que as consolidaram como personagens emblemáticas, sendo responsáveis por gerar impactos sociais profundos e reviver críticas importantes sobre suas origens, em especial os fundamentos sobre o que de fato caracteriza a criatura mágica da ficção.

Cinematograficamente falando, o termo "bruxaria" era relacionado, durante a primeira metade do século XX, a uma prática realizada por pessoas do sexo feminino que envolvia maldições, apelo à magia negra e a crenças vinculadas a entidades sobrenaturais. Essas mulheres, que comumente eram apresentadas como seres decrépitos, ou seja, criaturas envelhecidas e com particularidades físicas — tons de pele distintos, marcas no rosto e deformidades ósseas — logo marcaram um arquétipo, assim foram levadas às mais diversas categorias audiovisuais.

Um exemplo dessa abordagem são as obras Branca de Neve e os Sete Anões (1937) e O Mágico de Oz (1939), que fundaram bases para a introdução do termo "bruxa má", uma nova visão de antagonista que contrastava com as personalidades doces, puras e inocentes das protagonistas. E, falando em personalidade, vale reforçar que essa psique opositora tinha como base alguns dos princípios que levaram milhares de mulheres à execução pública durante a Idade Média.

Os julgamentos de Salem

As histórias sobre os julgamentos de bruxas de Salem, um dos cenários mais marcantes durante os anos de 1692 e 1693, foram levados pela 1ª vez ao cinema em formato mudo, no início do século XX. Nessas obras, as mulheres eram acusadas dos crimes mais bárbaros possíveis após recusarem a paixão de um homem, por exemplo, que despertavam sua fúria para serem humilhadas e chamadas de bruxa após tê-lo "tentado ao pecado".

(Fonte: History / Reprodução)(Fonte: History / Reprodução)

Simbolicamente falando, o conceito dos filmes era exibir como as mulheres acusadas de bruxaria eram levadas à execução ao serem responsabilizadas pelos erros de um homem, tornando-se incapazes de combater um sistema patriarcal onde elas não tinham a oportunidade de sequer se defender. A proposta foi amplamente abordada ainda no cinema mudo, mas ganhou novos contornos a partir de 1937, com o lançamento de A Donzela de Salém.

Poder e sensualidade

A partir da década de 1920, com a chegada dos Loucos Anos 1920 (Era do Jazz) e as primeiras produções com sons, o espírito de liberdade e a autoridade sobre o corpo fluíram nas mulheres, que passaram a atuar em atividades que antes eram consideradas imorais ou tabus. O tratamento que elas recebiam anteriormente, sendo apresentadas como donas de casa, religiosas e obedientes aos homens, desapareceu logo em seguida, e Hollywood foi palco para verdadeiros escândalos ao subverter a participação feminina em roteiros ainda mais ousados.

Ao apelar para a quebra dos padrões comportamentais das mulheres, a indústria viu a paranoia sobre a atração sexual das bruxas retornar com toda força, e isso passou a ser utilizado como uma espécie de poder feminino intrínseco a várias bruxas da época. Essa habilidade considerada assustadora surgiu como uma provocação para boa parte do público e investidores, que iniciaram movimentos de cobrança sobre censura e moderação na forma como as personagens eram exibidas.

(Fonte: a24 / Reprodução)(Fonte: a24 / Reprodução)

Com isso, Hollywood lançou um manifesto — um guia de regras — que deveria ser aplicado como forma de conter os telespectadores, e os diretores deveriam evitar abordar temas com radicalidade, abordando drogas, bebidas, nudez, beijos demorados, violência, agressão a animais e outros artifícios ditos controversos. Assim, a sensualidade se tornou um recurso subjetivo nos filmes modernos e transformou-se em sugestões, provocando o público a partir de detalhes que muitas vezes passam imperceptíveis.

Isso pode ser observado em longas-metragens como Abracadabra (1993), Jovens Bruxas (1996), A Bruxa (2015) e A Bruxa da Casa ao Lado (2019), que apelaram para uma sedução interpretativa e menos visual para contar histórias de obsessão, romance e atração propostas para todo tipo de público.

A descoberta dos poderes e do corpo na adolescência

No final dos anos 1980 e 1990, os filmes de bruxaria foram direcionados para o público adolescente, apostando em temas como a descoberta do corpo e o amadurecimento. Essa abordagem levou em consideração não somente as barreiras que jovens garotas encontravam ao conversar com sua família sobre reações físicas e sentimentais, mas também a ascensão de uma época que se discutia angústias, medos e preocupações entre causas fúteis e realistas.

(Fonte: Paramount / Reprodução)(Fonte: Paramount / Reprodução)

Além disso, as novas tendências buscaram considerar um estereótipo que, até então, era pouco conhecido por fãs do gênero, que era o despertar dos poderes e a busca por respostas sobre as origens. Para isso, as pequenas bruxas deviam encarar situações problemáticas com as famílias, dúvidas no Ensino Médio, contos de afloramento e desejos sexuais, bem como outros estágios da vida considerados desagradáveis especialmente para adolescentes.

Apesar de Jovens Bruxas (1996) ter conseguido se manter fiel à proposta, o que apaixonou totalmente os fãs foi o seriado Sabrina — Aprendiz de Feiticeira (1996), que contou a história de uma bruxa, oriunda de uma antiga linhagem, que aprende a lidar com seus poderes até ir para a faculdade.

O horror cru: psicologismo como tendência

Ainda em 1990, o cenário do horror no cinema deu um enorme salto e viu produções como Candyman, Silêncio dos Inocentes, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e O Chamado dominarem as bilheterias internacionais, marcando o retorno de entidades sobrenaturais e investindo na violência gráfica, apresentada por meio de efeitos práticos e técnicos. Essa ascensão surgiu como a oportunidade perfeita para que os produtores revelassem a identidade mais apavorante das bruxas, e isso foi mostrado no apavorante A Bruxa de Blair (1999).

O longa, que dessa vez passou a evitar se comprometer com causas reais — em oposição a seus antecessores — e a funcionar como uma espécie de sugestão, foi o suficiente não apenas para confirmar a tendência de um novo estereótipo de bruxaria, mas também o nascimento de uma categoria que se mostraria ideal para contar histórias de bruxas: o terror psicológico.

(Fonte: Amazon / Reprodução)(Fonte: Amazon / Reprodução)

Na categoria, os telespectadores foram capazes de reviver diversas épocas da história da bruxaria, como os julgamentos medievais, o antagonismo, a sensualidade e a descoberta de habilidades, que foram recuperados de longas pouco acessíveis na época como O Bebê de Rosemary (1968) e Suspiria (1977) para estabelecer sensos críticos sobre os mais variados temas, ainda arriscando no olhar feminino e em suas temáticas, como também no distanciamento de criaturas "monstruosas" como em A Autópsia (2016) e Hereditário (2018).

Em um século em que a participação feminina surge cada vez mais atuante e igualitária, as novas concepções audiovisuais indicam não apenas a introdução de uma perspectiva histórica, mas a possibilidade de fazer diferente, mesmo que exijam um maior comprometimento sensorial e emotivo, traçando paralelos crus e potencialmente agressivos, de forma a não esconder das gerações atuais e não deturpar um passado que até hoje cobra sua reparação.

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