Ciência
08/11/2021 às 04:00•6 min de leitura
Conforme apontam os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco é responsável pela morte de mais de 8 milhões de pessoas por ano, das quais 7 milhões são resultado direto do uso do produto, enquanto cerca de 1,2 milhão é o resultado de não-fumantes expostos ao fumo passivo das substâncias através da fumaça expelida.
Contudo, no século passado, os cigarros não eram somente glamourizados pela mídia e pela sociedade, também eram considerados “aceitos” pela própria Medicina.
Entre as décadas de 1930 e 1940, os anúncios de cigarros se aproveitaram da autoridade dos médicos para afirmar que fumar um cigarro poderia melhorar, por exemplo, uma irritação na garganta. Naquela época a medicina ainda não havia encontrado uma ligação consistente entre tabagismo e câncer de pulmão, por isso os órgãos regulamentadores patrocinavam esse tipo de marketing.
“Você sempre pode confiar na qualidade do 'Craven A'. Eles são super gentis para a sua garganta”. (Fonte: Fine Art America/Reprodução)
Nos anos 40, a taxa de morte por câncer de pulmão e seus diagnósticos aumentaram de maneira exponencial, passando a assustar as pessoas. Nenhuma delas sabia que era culpa dos cigarros.
A indústria se promoveu em cima de alguns sintomas causados pelo fumo, como tosse e irritação na garganta, para criar uma verdadeira rivalidade, em que marcas de cigarros anunciavam que seu produto “não causava problemas”, apenas os da concorrência.
“20.679 médicos dizem 'Luckies irritam menos.' Sua proteção contra irritação e tosse”. (Fonte: History/Reprodução)
A American Tobacco, fabricante do notório Lucky Strikes, foi a primeira empresa de cigarros a usar médicos em seus anúncios. Em 1930, eles divulgaram uma campanha afirmando que 20.679 médicos disseram que o Lucky era o menos irritante para a garganta. Para obter esse número, a agência de publicidade da empresa enviou aos médicos caixas do cigarro e uma carta perguntando se eles achavam que o Lucky Strike era menos irritante para as gargantas sensíveis.
Muitos médicos responderam positivamente a essa pergunta tendenciosa, e o resultado foi parar em anúncios por todo o país. Em 1937, a empresa Philip Morris resolveu ir além na autopromoção ao afirmar em um anúncio no Saturday Evening Post que os médicos haviam conduzido um estudo mostrando que, quando os fumantes mudaram para cigarros Philip Morris, cada caso de irritação desapareceu completamente. A empresa só esqueceu de mencionar que pagou muito bem a cada um deles.
"Quão suave um cigarro pode ser? De acordo com a pesquisa Nationwide: médicos fumam Camels mais do que qualquer outro cigarro." (Fonte: Center for History/Reprodução)
Com a introdução da penicilina — que causou uma revolução na década de 1940 em como a sociedade enxergava a medicina e a ciência —, as empresas passaram a usar disso para atrair mais clientes: a Reynolds Tobacco Company fez isso criando uma Divisão de Relações Médicas, e a anunciando em jornais médicos.
Ela passou a pagar pela pesquisa e depois a citá-la em seus anúncios, bem como a Philip Morris. Em uma campanha publicitária de 1946, Reynolds publicou o slogan: “Médicos fumam Camel mais do que qualquer outro cigarro”.
Foi só em meados da década de 1950 que as empresas tiveram que confrontar, com boas evidências, que seus produtos causavam câncer de pulmão. A partir desse momento, a estratégia de marketing mudou rapidamente.
“Cigarros Asthma: para o alívio temporário da sua asma”. (Fonte: Read Sector/Reprodução)
Em 1954, as empresas lançaram uma Declaração Franca para os Fumantes, em que argumentavam que a pesquisa que mostrava uma ligação entre o câncer e o fumo era alarmante, mas não conclusiva. Portanto, a indústria estava formando um comitê de pesquisa para apurar o assunto.
Logo após isso, os anúncios pararam de apresentar declarações médicas porque o público já não se convencia mais. Além disso, os próprios profissionais aos poucos estavam se manifestando contra o cigarro, até que em 1964, foi publicado o relatório do U.S Surgeon General determinando que fumar causa câncer de pulmão e de laringe, e bronquite crônica.
Mesmo assim, as empresas seguiram dizendo, através dos comitês de pesquisa que formaram, que ainda havia muita controvérsia sobre aquele tipo de conclusão. Isso durou, de fato, até 1998, quando o Instituto do Tabaco e o Comitê para Pesquisa do Tabaco foram diluídos em um acordo de ação judicial.
Atualmente, é exigido por lei que os malefícios do produto sejam impressos na embalagem.