
Ciência
23/08/2022 às 04:00•3 min de leitura
A década de 1960 ficou marcada como o início do período de maior transformação social da história dos Estados Unidos, pontuada por marchas com direito a liberdade e protestos em prol dos direitos civis, contra a extensa e dolorosa Guerra do Vietnã, que minou o país a ponto de, pela primeira vez, balançar o tão famoso e enraizado patriotismo americano.
Foi nesse cenário caótico de turbulência social e política que o movimento de contracultura floresceu, conhecido pela presença de um grupo de pessoas denominadas “hippies”, cuja característica era a oposição à guerra, ao mercantilismo, ao estabelecimento geral das normas sociais, materialismo e aos padrões sociais. Ou seja, eles iam exatamente na contramão de tudo o que o momento pregava como "correto e adequado" a ser feito segundo os valores de uma cultura dominante, expressando o ethos e as aspirações de uma parcela da população durante uma época bem definida e estruturada.
Entre nomes como Allen Ginsberg e Michael Bowen, pioneiros da contracultura, estava Abbie Hoffman e sua tentativa infame de fazer o Pentágono levitar.
Abbie Hoffman. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
O misticismo falou diretamente com os ideais do movimento contracultura, tanto que muitos apoiadores cultuavam magia cerimonial, como a Wicca, devido à exaltação que faz sobre a pureza da natureza e suas influências cósmicas.
Em meados de 1967, Hoffman surgiu com a ideia de fazer um protesto de dois dias, com a presença de mais de 100 mil pessoas, que marchariam em direção ao Capitólio pedindo o fim das calamidades no Vietnã. Ao recrutar o empresário antiguerra Jerry Rubin para tornar viável o feito, ele chegou à conclusão que uma marcha em direção ao Capitólio poderia transmitir a mensagem errada de seus objetivos, promovendo uma negatividade política, e não o sentimento antiguerra.
Portanto, se quisessem exclamar sobre o conflito, o movimento deveria ir em direção ao Pentágono, uma das instituições mais importantes dos EUA, e que tinha um papel fundamental no ativismo da guerra.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Para Bowen, que tinha uma aproximação pelo misticismo, o novo alvo era perfeito, visto que protestar diante de algo com a forma de um pentagrama imenso parecia "poderoso". Com isso em mente, o poeta Gary Snyder sugeriu que um avanço de milhares de pessoas em direção ao prédio com o mesmo objetivo era tão forte que seria, praticamente, como uma sessão de exorcismo – afinal, as bruxas wiccanas haviam feito seu cone de poder para impedir a invasão de Adolf Hitler duas décadas antes.
Foi assim que Bowen chegou à conclusão do que seria feito: eles fariam o Pentágono levitar com o poder de todos, colocando a denominada Marcha do Pentágono na história americana.
(Fonte: The New York Times/Reprodução)
Não se sabe exatamente como o grupo de ativistas conseguiu uma permissão da Administração de Serviços Gerais (GSA), que administra propriedades federais, para fazer o Pentágono levitar cerca de 90 metros acima do chão sob um cântico em aramaico, no dia 21 de outubro de 1967, durante a maior marcha contracultura de todos os tempos.
Os homens alegaram que o prédio ficaria laranja, vibraria e afastaria todas as forças malignas, acabando com a guerra de uma vez por todas. Muito provavelmente, a permissão só foi concedida porque a ideia era risível, bem como a maioria dos adeptos do movimento achavam. Por outro lado, muitos acreditavam que aquilo não passava de uma estratégia de marketing com o sensacionalismo americano necessário que tanto cativava a atenção da mídia e da sociedade daquele tempo.
O então presidente Lyndon B. Johnson organizou uma extensa presença militar para o protesto, mobilizando 3 mil soldados e quase 2 mil Guardas Nacionais para o dia ousado que começou pacífico, mas terminou sangrento.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Mais de 50 mil pessoas compareceram à Marcha do Pentágono, marcando o protesto com provações de afeto grupal em público, rituais maias e abuso de drogas. O plano dos ativistas de levitar o Pentágono, obviamente, não aconteceu, e facilmente poderia ter se perdido na quantidade de acontecimentos do dia.
Tudo poderia ter terminado com a imagem de Bowen colocado centenas de flores nos canos das armas dos soldados, mas foi substituído pela quantidade de manifestantes insultando os militares, lançando pedras, garrafas de refrigerante, tomates e pedaços de paus.
A situação saiu do controle total quando mais de 3 mil pessoas tentaram invadir o prédio, interceptados por guardas furiosos que os agrediram, deixando muitos desmaiados e ensaguentados no chão. Assim que a permissão de 48 horas para levitar o Pentágono acabou, a polícia se tornou ainda mais agressiva contra a multidão, instaurando um caos que resultou em mais de 700 pessoas presas.
Apesar disso, a Marcha do Pentágono atingiu seu objetivo: mudar a opinião pública sobre o que acontecia no Vietnã, mesmo que levitar o prédio não tenha acontecido. A importância do dia foi tão grande que Daniel Ellsberg, funcionário da instituição, vazou documentos confidenciais do Pentágono que mudaram para sempre a percepção social sobre como o governo americano agia. Mais tarde, até as Forças Armadas entenderam o objetivo do movimento antiguerra.