Artes/cultura
17/09/2015 às 10:20•3 min de leitura
Hoje em dia, qualquer estudante sabe que um trabalho importante deve possuir cópias no computador, no pendrive, no e-mail, na nuvem e em todas as opções de armazenamento virtual – principalmente se for uma monografia de mestrado ou uma tese de doutorado. E se você perde qualquer uma dessas versões, já é motivo para um leve ataque cardíaco, não é mesmo?
Nos anos 80, porém, a realidade era um pouco mais cruel. A maioria dos trabalhos era datilografado, e fazer cópias levava muito mais tempo e dedicação. Por isso, a perda era muito mais impactante, podendo, inclusive, levar o pesquisador à loucura. Foi mais ou menos isso que aconteceu com o tchecoslovaco Oleg Mitasov.
Prestes a receber o título de doutor em economia pela Universidade de Kharkov, na Ucrânia, Oleg Mitasov cometeu um erro gigantesco: no caminho para a defesa de seu trabalho, ele esqueceu a dissertação dentro do bonde que ele tomou para ir à instituição.
Diz a lenda que foi nesse momento que Mitasov teve um colapso mental. Também pudera, o trabalho de anos estava completamente perdido e ele nem poderia culpar o cachorro como muitos engraçadinhos fazem nos dias de hoje. O ucraniano nunca iria se tornar um doutor.
Retrato rabiscado de Oleg Mitasov
Morando sozinho em um enorme apartamento de sete cômodos, Mitasov passou a rabiscar um caderno com diferentes anotações. Quando ele terminou de preencher cada uma das linhas, passou a escrever nas paredes da sala. Com o cômodo repleto, passou para a cozinha (tendo escrito, inclusive, em sua geladeira de aço) e depois para o quarto.
Por fim, terminou fazendo escritas no muro de seu prédio, nas escadarias e em paredes de tijolos das casas de seus vizinhos. Sua veia artística incomum, aliada ao seu colapso mental, o fez ser comparado ao gênio Van Gogh.
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Antiga garagem do apartamento, hoje fechada, mantém os escritos de Oleg Mitasov
Apesar de tanta informação, pouca coisa se sabe de concreto sobre a vida de Oleg Mitasov. Ele nasceu em 1953, na antiga Tchecoslováquia, filho de um engenheiro de minas e de uma médica da embaixada soviética. Ao voltar para Kharkov, sua família foi acusada de ter formado alianças com agentes de países capitalistas – era o auge da Guerra Fria.
De acordo com sua irmã, Olga, o evento foi bastante traumático para toda a família, em especial para Oleg, que chegou a travar luta corporal com os policiais da antiga União Soviética. Ele morreu em 1999, aos 46 anos, vítima de tuberculose. Mitasov estava internado em um hospital psiquiátrico, desde que foi diagnosticado com esquizofrenia.
Retrato familiar: Oleg Mitasov com seus pais e sua irmã
Na imagem que abre esta matéria, está escrito: “Eu sou repelido pelas mulheres, o principal objetivo na Terra é trabalhar, nos meus estudos, no meu trabalho tudo é perfeito na Terra, papai e mamãe em seus estudos em seus trabalhos são perfeitos na Terra, apenas avance, nunca volte à Terra”.
As palavras realmente não fazem muito sentido. Em outra parede (imagem 1 da galeria abaixo) está escrito sobre a porta: “Mitasov – na – Terra”. Já à esquerda disso, está anotada a palavra “Desconexo”. Já na segunda imagem, aparece a frase: “Pessoas, e então imediatamente Lênin VAK imediatamente estreitamento da mente na Terra”. Surreal, hein?
Na terceira imagem, podemos ler seu nome diversas vezes: “Mitasov Mitasov Mitasov VAK”. Na imagem 4, das escadas, aparece repetidamente nos degraus: “VAK – não – trabalhar”. Não conseguimos o significado de “VAK”, que aparece em diversas passagens. Se alguém souber, não se acanhe de comentar aí embaixo.
Galeria 1
Atualmente, a antiga residência de Oleg Mitasov foi transformada em um escritório, e quase tudo que ele produziu em seu interior foi perdido para sempre. A família guardou apenas sua geladeira e seu piano.
Alguns grafites nos muros ainda permanecem, mas o tempo está agindo para apagar definitivamente a memória desse gênio incompreendido. A jornalista Elena Grigoreva definiu a mente de Mitasov: “Isso não é arte, é o retrato da vida real”. Ela tenta decifrar o que o Mitasov produziu, mas o trabalho não é nada fácil.
Já para outro jornalista, Tim Holborn, os escritos de Oleg Mitasov representam a “história triste de um homem obstinadamente patrulhado pelo olho opressivo do Estado, que pode tê-lo pressionado ao ponto de um colapso psicológico”. Pesado, hein?
O piano foi uma das pouquíssimas coisas que restou do apartamento de Oleg Mitasov
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O que você acha, caro leitor? A obra de Oleg é o retrato de uma mente pressionada pelo Estado ou o reflexo de uma doença degenerativa cerebral? Comente aí embaixo!